sexta-feira, 16 de abril de 2010

O culpado das cinzas

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Por Antunes Ferreira

CADA VEZ MAIS tenho para mim que o culpado dos enormes transtornos nos transportes aéreos não é o vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia; é o primeiro-ministro José Sócrates. Tem de ser. O homem já é acusado de tanta coisa que, mais uma, menos uma, não lhe deve causar grande mossa. E como não se pode prever durante quanto tempo mais a erupção se manterá e as chuvas de cinza dela resultantes também prosseguirão, creio que, com a maior celeridade deverá ser nomeada uma comissão de inquérito para o efeito. De preferência no Parlamento.

Estou certo de que nunca um chefe de Governo, no percurso da Democracia em Portugal, foi alvo de tantos ataques, insultos, acusações e processos como o actual. Nem na I República, a que muitos chamaram e ainda chamam uma bandalheira. Estamos neste ano que corre a celebrar os cem anos republicanos, e não me consta que no período de 1910 a 1926 algum primeiro-ministro tenha sido tão fustigado.

Pior só António Granjo, que foi barbaramente assassinado no Arsenal do Alfeite, em 19 de Outubro de 21, escassas horas depois de ter apresentado a sua demissão, durante a famigerada Noite Sangrenta. A outras figuras políticas portuguesas isso também tinha acontecido escassos anos antes, desde o Rei Dom Carlos até ao Presidente Sidónio Pais.

Pode dizer-se que o percurso do homem público José Sócrates Pinto de Sousa está carregado de assuntos que, no mínimo, têm originado os procedimentos acusatórios de que vem sendo alvo. Ele próprio lançou a ideia de estar a ser alvo de uma campanha negra, de um conluio gigantesco que o pretendia e pretende eliminar politicamente. Mas, ele próprio se tem posto a jeito de muitas dessas suspeitas e das correspondentes acusações.

Nomeadamente no que concerne à relação que mantém (?) com a Comunicação Social, as atitudes do primeiro-ministro vêm sendo lastimosas. É sabido que os media não gostaram dele e logo desde que ganhou as primeiras eleições com maioria absoluta. E, mesmo, talvez antes. Sócrates não sabe lidar com os órgãos de comunicação e tudo indica que não tem ao seu lado quem o saiba fazer.

E agora, periclitante, em função da maioria relativa, o seu comportamento negativo tem vindo a aumentar. É-lhe cada vez mais difícil movimentar-se frente a uma oposição que congrega Direita e alguma Esquerda, é-lhe cada vez mais penoso andar quotidianamente a fazer desmentidos. O tristemente famoso Face Oculta está a ser o último que o abala. De mentiroso a charlatão tudo lhe é endereçado. E a CS, para além de acusadora, transformou-se em caixa de ressonância. Vida dura.

Há quatro anos, mais coisa menos coisa, escrevi que Sócrates era - para mim, naturalmente - o melhor primeiro-ministro depois do 25 de Abril. Agora, não diria o mesmo. E não se trata de virar o bico ao prego ou de virar a casaca, procedimentos tão do agrado de nós, Portugueses. E muito menos de emendar a mão. É apenas o reconhecimento de que não é assim. Infelizmente.

O sim ou não do apoio à candidatura de Manuel Alegre a Belém é mais um berbicacho. Vão sendo muitos. Por isso mesmo, resta-me a ironia, quiçá despropositada: cada vez me inclino mais para a interferência dele no processo das cinzas vulcânicas. Se, por acaso, não tiver sido assim, pode o inquilino de São Bento marcar um ponto a seu favor. De qualquer forma, continuarei a votar PS. Mesmo com José Sócrates. De tal modo andam as coisas por este triste País que me apetece o desabafo calino: do mal, o menos. Mesmo tendo em conta Pedro Passos Coelho.