sábado, 3 de abril de 2010

O Papa em cuecas?

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Por Antunes Ferreira

O DOGMA DA INFALIBILIDADE papal está pela hora da morte. Já ultrapassou o coma e o desenlace fatal aproxima-se. As controvérsias sobre essa impossibilidade do Papa se enganar já vêm de longe, como se sabe. Mas, nestes momentos que vivemos, o tema agravou-se de tal maneira que faz pasmar multidões. A teologia católica afirma que o Papa, quando delibera e define ou clarifica solenemente algo em matéria de fé ou moral (os costumes), ex cathedra está sempre correcto. Isto porque afirma que ele goza de assistência sobrenatural do Espírito Santo, que o preserva de todo o erro.

Bento XVI encontra-se acurralado entre a espada e a parede. Os escândalos sexuais de imensos sacerdotes e, até, de dignitários diversos levaram a que a panela de pressão já não consiga aguentar a… pressão. A pedofilia - sobre a qual, ao longo de anos o Vaticano não abriu a boca – veio deixar a Igreja num sobressalto constante e, sobretudo permanente. Bem pode o Sumo Pontífice vir agora pedir desculpa dos crimes que foram sendo cometidos por inúmeros eclesiásticos. Diz o Povo e com carradas de razão que as desculpas não curam.

A carta aos irlandeses – cuja fidelidade a Roma roça o fundamentalismo – é um reconhecimento e uma contrição atrasadíssimos para ser aceite pelos homens e, dentre eles, os católicos. Nos termos do documento, Bento XVI exprimiu a «vergonha» e o «remorso» de toda a Igreja face ao escândalo de pedofilia no clero irlandês, e anunciando iniciativas para promover «a cicatrização e a renovação».

Também disse que sentia muito pelo sofrimento das vítimas dos abusos cometidos por padres e que estava disposto a encontrá-los, lembrando que já tinha retomado casos do passado, como os da Austrália e dos Estados Unidos em 2008. E ainda reconheceu «os graves erros de julgamento» cometidos pelo episcopado irlandês, acusado de ter encoberto centenas de casos de pedofilia cometidos durante várias décadas por religiosos.

Ratzinger que foi enquanto cardeal o defensor mor das «práticas correctas» que o clero devia usar e da fidelidade à lei divina, não se pronunciou nessa altura por tudo o que se ia já sabendo sobre os desmandos sexuais dos agentes da Igreja. E está a ter muita dificuldade para afirmar que não tinha conhecimento deles. É anedótico que o guardião mor da fé não tomasse conta do que já então corria, ainda que com uma difusão muito inferior à actual.

Em nome do episcopado português, ontem mesmo o patriarca Policarpo lamentou os "pecados da Igreja", considerando que "indignam o mundo" e ofuscam a imagem do "Reino de Deus”. Mas, durante a homilia da Paixão de Cristo que decorreu na Sé de Lisboa, ele também elogiou a “coragem do Papa” na forma como vem actuando em tão melindroso. Uma no cravo, outra na ferradura. Em época pascal a imagem não é muito feliz, mas este cravo não tem nada a ver com a crucifixação do Filho de Deus. Para que conste.

Porém, o cardeal não se referiu às crianças vítimas dos abusos sexuais dos religiosos. O que levou a que essa omissão tivesse já sido criticada pelo Movimento Nós Somos a Igreja. Isto, enquanto o arcebispo alemão Zollitsch, prelado de Friburgo e compatriota do Papa, admitiu e lamentou os erros cometidos pela Igreja germânica, não protegendo as vítimas de abusos sexuais praticados por padres. O líder da Igreja Católica alemã ainda apelou para que se reze pelas “crianças que, na comunidade da Igreja, foram abusadas e feridas no corpo e na alma”.

Que mais contradições virão? Que mais poderá acontecer? O Panzerpapa está em apuros. Pode dizer-se que está com as calças na mão, ainda que resguardado pela sotaina. Vamos ver se não se lhe vêem as cuecas. Não creio. Porque a Igreja Católica ainda tem muito peso – e dinheiro.