quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A inútil declaração

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Por Baptista Bastos
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VIVEMOS ENTRE O ABSURDO, a omissão, a calúnia e a perplexidade. Os caprichos do momento contrariam, violentamente, as categorias da cultura, subvertendo não apenas a ética como a identidade. Alguma coisa está desarticulada, no tecido social português, quando um presidente da República vem a terreiro dizer que nada tem a ver com determinada instituição bancária. Nada fazia prever a inusitada declaração. Não conheço nenhuma notícia, insinuação, boato que conectasse o residente no palácio de Belém aos acontecimentos que transformaram um banco em assunto de primeira página. Talvez a circunstância de alguns altos dirigentes do PSD terem desempenhado cargos importantes no BPN estivesse na origem da aflição e do sobressalto presidenciais. É um despropósito. Cuja natureza o prof. Marcelo entendeu elogiar. Fez o elogio do nada. A confusão instala-se, cada vez mais, em Portugal. Se a não-notícia, contida neste boato inexistente, suscita o grave comunicado, torna-se imperioso o cotejo com a afronta, de que o dr. Cavaco foi objecto, na ilha da Madeira, quando o dr. Jardim o impediu de visitar o Parlamento da região. Aí, sim, o exercício do poder pela indignação encontrava razão de ser. Se o valor moral tem atenuantes, dependendo o juízo das circunstâncias, então, aceitemos a política como práticas de mentira para cada ocasião. O dr. Cavaco é responsável por muito de mau e de mal que incutiu no País. Acaso por incompetência política e fundas lacunas culturais. Podemos acusá-lo de uma série de amolgadelas na democracia; porém, de desonestidade, creio que nunca.
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Há uma coisa assustadora que se exige de nós: conhecermo-nos; por isso, fazemos por esquecê-la. Conhecermo-nos, e manter essa memória, pode ser mau ou bom, mas é sempre perigoso. Sei do que falo. A atonia da sociedade portuguesa, o explícito conúbio entre zonas seculares, antagónicas por essência, resultou na irremediável fatalidade de os dirigentes não estarem à altura das nossas urgências e necessidades. Repugnam-me os dez anos "cavaquistas", durante os quais tudo parecia moldado à semelhança do maioral. O que ocorreu nas redacções dos jornais, das rádios e das televisões, com a imposição de uma nova ordem que principiava pela substituição das chefias e a remoção de jornalistas qualificados, mas desafectos ou mesmo dissentes - é uma história sórdida, e esquecida por muitos. Assim como o encerramento político de importantes títulos da imprensa, em nome da "desestatização" e do "pluralismo". O autoritarismo, consequência do medo e da insegurança, cria os seus próprios medos e inseguranças. O documento de Belém não representa a instância de um protesto nem constitui o esclarecimento de coisa alguma. É a imagem de um homem. Daquele homem.
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«DN» de 26 de Novembro de 2008
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Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.