sábado, 29 de novembro de 2008

Uma teoria dos tomates

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Por Antunes Ferreira
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A AMIZADE NÃO SE COMPRA nem se vende. Vive-se. E os Amigos não são bons nem maus. São apenas e só Amigos. O resto é conversa para encher pneus, como dizem os Brasileiros. Os Amigos são, também e ainda, para as ocasiões. Alto lá. Não se veja aqui qualquer intenção exclusivista, não se infira oportunismo, muito menos calculismo. Não é que eu seja um anjo celestial. Ninguém ainda me encontrou com um par de asas. De ases sim, mas noutras ocasiões.
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Sempre considerei, considero e continuarei a considerar que uma das melhores coisas da vida são os Amigos. Uma minúscula parentética: não me vou repetir no patético e as Amigas. A generalidade diz-me que me fique pela expressão uni – Amigos. Diz-se, a propósito ou a des, que quem tem filhos tem cadilhos. Com o, para que não haja mal entendidos, nem bancos envolvidos. Negócios à portuguesa. Mas também se afirma que quem não tem Amigos morre mouro. Inch’Allah.
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Num destes dias de sol radioso e com o frio a apertar, amesendei-me com um desses Amigos que a gente usa para dar como exemplo aos outros, de preferência, Amigos. Amigalhaço, na verdadeira acepção do vocábulo, daqueles de aperto no pólo sul da orelha, um gajo bué da fixe, na expressão que os netos me inculcaram. Almoço a condizer, bebidas a condizer, má-língua a condizer.
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Estes repastos são pasto para tudo, salvo seja. Principalmente para o dizem e mais especificamente, deste ou daquele figurão. Grandes revelações acompanhadas, de preferência de um bom uísque irlandês, que nestas coisas não sou de modas. Ele é mais gin tónico. Mas são estas diversidades de gostos e de opiniões e de coscuvilhices caseiras que imprimem aos encontros bilaterais. Está na moda usar o termo, logo aqui o pranto. Sem pranto.
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Ratar, na verdadeira acepção da ratice, entre duas garfadas – é excelente. Entre dois goles – excelentíssimo. Se fosse com o Zé Cardoso Pires havia que acrescentar dinossauro. Divagações perante uns secretos de porco preto, ainda que um tanto discriminatórias, têm um especial sabor. As divagações e os segredos do ex-suíno de Barrancos, está visto. Em frente, que já aí vem um pudim do tal abade de Priscos, que não se vos diga, se vos conte.
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Inopinadamente (estes termos são quase sempre motivo de mofa, eu sei; mas também calham que nem ginjas para mostrar a erudição do autor, antes do Acordo) desfechou-me o dito cujo: sabes, ando a congeminar e penso que descobri no mais recôndito do meu ser, uma teoria que, quiçá, apresentarei na Academia. A medo e um tanto intrometido, interrompi-o: de Alcochete? Ele não se impressionou com o ponto de interrogação. Não, meu. A outra. Sem trunfos, passei.
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Ouve com atenção. Eu era todo ouvidos. Orelhas, é mais o Vieira. Penso, estou quase seguro, que no cérebro possuímos uma substância que até à data ninguém sonhava que existisse. Ela está na origem da calvície. Porém – nesta altura já eu saboreava um guardanapo ensalivado, ao arrepio de qualquer protesto das papilas gustativas, tal a minha concentração e, até uma ansiedade crescente – porém, repetiu o meu Amigo. Homessa!?
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O problema está na correlação. Na correlação? Pois, menino, na interdependência, no princípio dos vasos comunicantes. Não resisti a uma tal comunicação. É esse o busílis da questão. A substância ainda sem nome de que falava, sussurrou, tem, como tudo na vida, um nexo causa efeito que não sei até onde me levará. E?...
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Olha: à medida que a cabeça vai ficando a caminho da bola de bilhar, a brilhar, o que acontece simultaneamente é que os testículos vão mirrando, mirrando, mirrando. Estás a ver, pá? É uma grande porra! Era. Eu até estava agoniado da dor me se me infiltrara nas virilhas. Uma coisa, passe a dislexia, dos tomates! Mas, porque não paras? A ciência, meu rapaz, a ciência. Para que o progresso avance a ciência, os conhecimentos, enfim isso tudo e mais umas botas, também avança. A aspirina, sem a guerra, não seria.
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Pasmei. E, pelo sim, pelo não, abandonando o guardanapo a caminho da deglutição, olhei em volta para ver se nas mesas adjacentes algum calvo tinha ouvido a explanação, no receio, aliás legítimo, de reacção próxima da sevícia. Tudo impávido e sereno, incluindo o empregado da mesa que, honrada e galhardamente, nos inquiriu se estava tudo bem e de sobremesa?
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Decidi que o suplício não passaria sem o abade do pudim. Digo, vice-versa. Não havia, mas sim uma sericaia com ameixa de Elvas. Era uma proposta alternativo-aliciante. Que viesse. Veio. O resto já não conta, nem vos conto. Só acrescento que, à saída, em passeio compassado para ajudar o quimo e, talvez mesmo o quilo, fui congeminando que a teoria do meu Amigo podia, no mínimo, ter a dimensão de um tsunami à enésima potência. Só um exemplo: que seria do dito tão nosso e popular – é dos carecas que elas gostam mais?