sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Estado-Providência

-
Por Maria Filomena Mónica
-
AO LONGO DESTA SEMANA, terminei a missão de dirigir, como «cabeça da família», o processo de partilhas após a morte da minha mãe. No meio das previsíveis polémicas, deparei-me com um facto inesperado: o subsídio (equivalente a seis salários mínimos) que o Estado concedeu à minha família para o enterro. Apesar da ruína do meu pai, pertencemos à alta classe média. Três dos quatro filhos são licenciados: uma filha é doutorada, a outra completou o mestrado e ele é advogado. Ironicamente, a única que não completou o Ensino Secundário é hoje a mais rica.
-
Criado após a II Guerra Mundial em Inglaterra por Attlee, Bevin e Bevan, o Estado Providência moderno destinava-se a dar a todos, «do berço ao túmulo», condições de vida minimamente dignas. Os ideais eram nobres e, durante várias décadas, o sistema suscitou admiração. Em Portugal, no país do «pobres sempre os tereis entre vós», nada aconteceu, mas a elite sabia de onde sopravam os ventos. O marcelismo e, depois, a Revolução distribuiu algumas regalias. Acontece que, entretanto, as sociedades haviam mudado. De um triângulo – em que no topo havia poucos ricos, no meio uma classe média reduzida e na base uma multidão de pobres – passara-se para uma bola de râguebi, em que as classes médias haviam crescido substancialmente. Embora isto devesse ter levado o poder político a rever as políticas sociais, por temor do eleitorado mais numeroso e articulado, isto é, as classes médias, em nada tocou.
-
Esta covardia teve um efeito: os pobres ficaram mais desprotegidos do que o necessário. Enquanto a minha família, que dele não carece, recebe um subsídio de enterro, as pensões dos velhos portugueses – as mais reduzidas da Europa - não podem aumentar, por o Estado carecer de receitas para o fazer. O dinheiro que o Ministério da Segurança Social nos entregou para o enterro da minha mãe é uma prova da iniquidade do actual Estado-Providência. A universalidade dos subsídios tem de acabar.
.
Janeiro de 2008
.
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.