sexta-feira, 29 de maio de 2009

Provador – ou provador?

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Por Antunes Ferreira

QUE RAIO DE PALHAÇADA é esta? Depois, venham queixar-se. Quem? Os partidos políticos que tentam jogar desesperadamente na Assembleia da República o tema do Provedor de Justiça. Principalmente o PS e o PSD; mas também os outros que disfarçadamente assobiam para o lado, criticam os dois e fingem que têm solução – quiçá na manga. Mas, não têm.
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O Provedor tem de ser eleito por 147 deputados. Não há volta a dar. Para tanto, os dois «maiores» têm de chegar a um entendimento. A que não chegaram, pelo menos até ontem. Cada um puxa a brasa à sua sardinha. E Henrique Nascimento Rodrigues já há dez meses e picos que devia ter sido substituído. Dizia, ontem ainda, que ele iria renunciar, depois de conversas com Cavaco Silva e Jaime Gama. Já não lhe basta a espera inqualificável. Ainda por cima, está doente.
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Muitas vozes se têm erguido contra esta caricatura parlamentar e para lamentar. A última foi a do Presidente da República que não desaproveitou a oportunidade: o impasse «atinge a dignidade das instituições democráticas». O recado foi direitinho ao Parlamento e, bem assim, às forças políticas. É muito mais do que o meio caminho andado dos CTT. No caso, para chegar ao(s) destinatário(s) não é preciso o Código Postal.
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Cavaco usou assim o ditado que diz que «cá se fazem, cá se pagam». E vai ser muito difícil a São Bento encontrar uma saída airosa. Nem resposta aceitável, até porque Cavaco teve o cuidado de acrescentar que lamentava que os esforços que fez no sentido de uma solução para esta questão «não tenham dado resultado». E terminou: «vamos agora esperar a decisão do Parlamento». O hemiciclo ficou com a batata quente nas mãos.
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O que, pelo andar da carruagem, não quer dizer grande coisa, muito antes pelo contrário. Já aumentaram os decibéis usados por uns quantos (não tão poucos assim, infelizmente) para dizerem que os Portugueses – bem dizia o saudoso Senhor Doutor Oliveira Salazar – não sabem viver em democracia, não gostam do parlamentarismo, que é um perfeito entrave à ordem e ao progresso que devem reinar no País. Ou, melhor, em Portugal, expressão que é mais nacionalista.
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Se a Assembleia da República é desde há muito objecto de críticas, mas principalmente de troça, não será qualquer defensor que nomeie que lhe conseguirá retirar o estigma. Aquilo é uma bandalheira – afirmação que vem sendo frequente acompanhada as mais das vezes pela galhofa. Donde, o regime também é, a democracia idem e a liberdade, aspas.
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Estarão, então, em perigo estas três componentes? Será, então, necessária a intervenção providencial que redima este pecado capital, senão mesmo original, de nós Portugueses? Mas – qual? Quem? O espantalho do Senhor Dom Sebastião será mesmo um espanta-pássaros? Ou antes – um espanta-partidos? A bruma e o cavalo branco são desnecessárias. Basta o Messias.
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Penso que não, felizmente. Ainda que gostemos de mirar o passado e nele apoiar as nossas infantilidades, as nossas incapacidades e as nossas demissões, a Liberdade e a Democracia (aqui com caixas altas) têm o vigor bastante para ultrapassar este quiproquó. Mas, ai das bancadas parlamentares se não forem capazes de chegar a bom porto. O Provedor de Justiça não pode ser o provador de comportamentos no mínimo estranhíssimos.
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