sábado, 19 de setembro de 2009

Duplo emprego

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Por Antunes Ferreira

NÃO ERA NADA de que não se suspeitasse. De resto, é prática que já vem muito de trás neste misericordioso País. Nós, os Portugueses, gostamos do biscate. Alguns mesmo vivem dele, com uma sedução adicional ao prazer de não ter peias, não ter patrão constante, não ter a ameaça do desemprego: fugir ao Fisco, prática deliciosa, disciplina eleita, quase obrigatória por decreto.

Um bom biscateiro não tem, por conseguinte, mais nenhuma preocupação de ordem laboral e de prática do civismo e da militância na legalidade – senão a de arranjar biscates. E, arranja-os. Sem facturas, sem recibos, repara-se uma canalização, dão-se uns toques na mecânica, pintam-se umas paredes, fazem-se uns rissóis ou uns pastéis de bacalhau, tudo com a perfeiçãozinha q.b.

Porém, muitas vezes, o biscate é uma segunda ocupação. Ou seja, um honesto cidadão, bom marido e excelente pai de filhos, tem o seu emprego, coisa que se vai tornando cada vez mais rara. Digamos, é um digno trabalhador da Função Pública, auxiliar de qualquer coisa, antes era contínuo, mas os tempos mudaram, as denominações profissionais também.

Saído da repartição à hora estipulada, ei-lo que se entrega a um objectivo complementar: desenvolve umas práticas de electricista, monta uns interruptores, faz umas baixadas para novas tomadas de corrente, arranja umas manigâncias para que o contador conte menos quilovátios ou os conte mais devagar.

Claro que daí ao segundo emprego não é, absolutamente, uma ousadia, um salto no desconhecido. Os salários são os que são, dos mais baixos da UE, pelo menos daqueles países, como é o nosso caso, que já entraram no clube há uns anos; donde, o segundo rendimento de labuta adicional serve, sobretudo, para que o mês não seja tão longo e tão impossível para a subsistência.

Veja-se, por exemplo, um dos casos mais frequentes do bilaboralismo: os enfermeiros. São muito poucos os que não trabalham em dois lados, ou seja, num hospital do SNS e numa clínica particular, ou posto clínico ou, ou, ou. Não se veja neste particular, o que quer que seja contra a classe; bem pelo contrário, os profissionais da enfermagem merecem-me o maior respeito, como, aliás, muitíssimos outros trabalhadores. Este veio à baila, repito, somente para exemplificar.

Veio, agora, mais precisamente ontem, Bruxelas dizer o que todos nós já dizíamos, sobre o tema: em 2007, 6,7% dos Portugueses tinham dois empregos, a quinta percentagem mais elevada entre os 27 países da União Europeia (UE). E o Eurostat é (ou pretende ser) como o algodão: não engana.

Não nos sirva de consolação, mas temos boas companhias. A Dinamarca (9,9%), a Suécia (8,1%), a Polónia (7,7%) e a Holanda (7,2%) são os quatro países com os valores mais elevados, seguidos de Portugal. Em média, 3,9% dos europeus têm um segundo emprego. Outro dado do barómetro europeu revela ainda que 18,2% dos europeus trabalham em part-time.

No cômputo do trabalho a tempo parcial, os números dizem que a Holanda (46,8%), a Alemanha (26%), o Reino Unido (25,5%) e a Suécia (25%) são os Estados-membros com mais pessoas nessa condição, enquanto a Bulgária (1,7%), a Eslováquia (2,6%), a Hungria (4,1%) e a República Checa (5%) apresentam os menores valores. Portugal regista uma percentagem de 12,1%, a 13ª mais alta entre os 27.

Noutro registo, a Estatística comunitária – em documento diferente – refere que a taxa de mortalidade infantil em Portugal foi a que mais diminuiu na União Europeia (UE) em 40 anos, de 64,9 mortes por mil nascimentos em 1965 para 3,4 em 2007. Segundo o anuário de 2009, a taxa portuguesa estava em 1965 muito acima da média europeia - 64,9 para 28,6 -, mas, 40 anos depois, é das mais baixas: 3,4 para 4,7. Interessante, sem dúvida.

Ah, já me esquecia: vai decorrendo a campanha eleitoral. No meu modesto entender, entre todos os concorrentes quem vai à frente é o PGF. O Partido dos Gatos Fedorentos. Mas, atenção, isto não é uma sondagem.