sábado, 14 de novembro de 2009

A moderação prescreveu

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Por Antunes Ferreira

FOI TEMPO EM QUE A JUSTIÇA andava de olhos vendados, numa mão segurando a balança, noutra a espada. Pelo menos, essa era a figura que a simbolizava e que mereceu de tantos criadores de Arte, as mais diversas interpretações gráficas. Sempre, porém, resumidas na trilogia: era cega, imparcial e justiceira. Ainda hoje a imagem é a mesma. Basicamente. Porque em seu redor se vêm colocando mantos. E a estátua do Eça lá está: o escritor cobre a nudez forte da verdade com o manto diáfano da fantasia. Mutatis mutandis

Hoje, a venda ocular não resiste à venda de informações. A Senhora passa os dias a levantá-la para tentar descortinar e entender o que se passa no quotidiano. E para depois poder filtrar o que viu. Talvez até se a devesse substituir por óculos bifocais, ou, quiçá, lentes de contacto que não a desfeariam tanto. Há tanta gente que vive – e aparentemente bem – disso, ou seja das fugas nos processos que não haveria oculistas que chegassem.

Tornou-se calina a afirmação de que a Justiça Portuguesa está doente. Há mesmo muitos que dizem que ela está nas últimas. E se se tomar em conta o que vem acontecendo entre participações, denúncias, averiguações e julgamentos, há que convir que as maleitas de que enferma são suficientemente graves para essa antevisão catastrófica.

A lentidão cada vez mais é seu timbre. Os recursos sobre os recursos sobre os recursos são incontáveis. As prescrições, sendo consequência, na maioria dos casos, estão repimpadas atrás das insuficiências. De pessoas, de instalações, de metodologia, de equipamentos. Os tribunais arrastam-se penosamente com sessões que não andam nem desandam. Magistrados, procuradores, advogados, oficiais de diligências, escrivães, beleguins e quejandos andam a passo que - comparado com o do caracol – consegue ser ainda mais… lento.

A investigação que antecede o judicial está tão corroída como este. Bem tentam agentes, inspectores & similares acelerar o andamento. Presume-se que sim, é para isso que nós, os cidadãos, lhes pagamos. A diligência deles afunda-se porem e lamentavelmente na caterva de diligências que se desenvolvem tantas vezes em marcha atrás. O que não admira num País em que uma regra fundamental é: isto não é para se fazer; é para se ir fazendo.

Este caso Face Oculta já deu azo a constatações e afirmações as mais diversas. O bigode de Manuel Godinho é célebre. Mais ainda as escutas às conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara. Para o primeiro-ministro é uma fatalidade repetitiva. Quando surgem tramóias, aparece o nome dele envolvido. Coincidências diabólicas. Ou?... O futuro dirá, se é que o fará.

Voltando ao estado da Justiça. Da balança se pode dizer que nos seus pratos há inúmeras vezes dois pesos o que significa duas medidas. E a espada está romba, enferrujada, encalacrada, encrava na bainha. Triste sina, triste fado. Sem acompanhamento à guitarra e à viola, mas acompanhado de suspeições, de insinuações, de falsos testemunhos – de pus.

A embrulhada entre os senhores Pinto Ribeiro e Noronha do Nascimento é bem a imagem do que se não devia verificar. Até Júdice lhes recomendou que não falassem com a comunicação social. Mas, pelo contrário, parecem, quer o Presidente do STJ, quer o PGR, entusiasmados com as suas declarações, ávidos de parangonas e de aberturas dos telejornais.

Agora, já não há nada a fazer. A moderação já está fora do prazo de validade. Prescreveu.