sábado, 21 de novembro de 2009

Que será?

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Por João Paulo Guerra

ENCONTREI EM TEMPOS, no decurso de uma pesquisa jornalística, um manual de instruções de uma associação patronal dos anos 20 do século passado, quando os fascismos floresciam na Europa. O folheto continha recomendações da associação às empresas filiadas no sentido de disciplinar o trabalho e domesticar os trabalhadores. De todas as cláusulas do opúsculo a que a minha memória reteve, por ser a mais opressiva e simultaneamente a mais caricata, recomendava que as sanitas das empresas destinadas aos operários não fossem horizontais mas inclinadas, mais elevadas atrás que à frente, de modo a proporcionar aos utentes a incomodidade bastante para que permanecessem pouco tempo na privada.

De maneira que haver uma fábrica da Trofa que desconta 10 euros no salário mensal a quem se apresentar ao trabalho com a barba por fazer é uma medida de meros aprendizes de despotismo. A empresa, segundo o Jornal de Noticias de ontem, longe de ser um modelo de salubridade tornou-se “célebre pelos cheiros nauseabundos com que há mais de duas décadas fustiga as populações vizinhas - algumas freguesias da Maia”. Agora acrescentou mais uma estrela ao seu índice de celebridade.

Mas vejamos: alguma coisa anda no ar que inspira algum patronato português a adoptar atitudes de prepotência próprias de regimes totalitários e de economias de terror, sejam elas asiáticas ou da France Telecom. Alguma coisa encoraja alguns empresários a perderem a vergonha de se assumirem como boiardos do século XIX ou como maiorais das primeiras décadas do século XX. Alguma coisa estimula alguns capatazes a sonharem com o regresso aos tempos em que a dívida à competitividade e ao crescimento se cobrava através de um imposto de sangue. O que será?

«DE» de 18 de Novembro 09