sábado, 21 de novembro de 2009

O que vale a pena

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Por Alice Vieira

NÃO SOU DAQUELES que andam sempre a rir — até porque, como diz o Millor Fernandes, quem anda sempre a rir ou é tolo ou tem a dentadura mal ajustada.

Mas também me aborrecem muito os que passam a vida a chorar, a queixar-se, a lastimar-se, os que vêem sempre o copo meio vazio, e têm um discurso onde repetem, à exaustão, “só neste país é que…”

Pelo que dizem jornais e televisões, parece que realmente nestes últimos tempos não temos tido motivo para grandes alegrias…

Mas se calhar os jornais e as televisões não dizem tudo.

Porque a verdade é que, apesar de tudo, “este país” já tem muita coisa de que se devia orgulhar, não fosse o caso de sermos irremediavelmente mais propensos à pateada do que às palmas.

Há dias eu vinha no avião do Funchal para Lisboa a ler a revista da TAP.

E, pelo meio de vários artigos mais ou menos turísticos, descubro um artigo do Prof. Alexandre Quintanilha sobre o estado actual da investigação científica no nosso país.

E, para meu grande espanto, ele não se lastimava de falta de apoio, não pedia subsídios, nem fazia o choradinho do “tão pobrezinhos que nós somos”.

No artigo, o Prof. Quintanilha dizia que já era compensador fazer investigação científica no nosso país e que muitos jovens cientistas tinham decidido trabalhar cá e estavam a desenvolver trabalhos de grande importância em laboratórios, universidades e centros de investigação portugueses.

Eu bem sei que uma revista que se faz para ser lida enquanto o pessoal anda pelo ar tem de ser uma revista optimista.

Mas também sei que o Prof. Quintanilha não é nem um “entertainer”, nem membro do governo a puxar a brasa à sua sardinha - e portanto sabe muito bem do que fala.

De resto, pouco depois chegava a notícia de que a jovem cientista portuguesa Mónica Bettencourt Dias, a trabalhar no Instituto Gulbenkian de Ciência, tinha sido incluída, pela Organização Europeia de Biologia Molecular, na lista dos mais talentosos jovens cientistas da Europa. (E acrescente-se que já tinha sido, em anos anteriores, distinguida internacionalmente pelas suas pesquisas, que podem levar a novos métodos de diagnóstico e combate ao cancro).

E o que se passa na área científica, passa-se noutras áreas. É notável o trabalho actual de muitos jovens músicos, compositores e intérpretes – que, infelizmente, não são divulgados pela televisão nem têm direito a grande espaço nos jornais.

Mas existem. E estão a trabalhar muito bem. E, se não há condições, eles inventam-nas.

Tenho a certeza de que se as pessoas entendessem que há vida para lá da chicana política e do futebol, vendia-se muito menos Prozac e os consultórios dos psiquiatras não estavam tão cheios.

«JN» de 21 Nov 09