sábado, 19 de dezembro de 2009

O Salvador da Pátria

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Por Alice Vieira

O SR. LUÍS CONCEIÇÃO guia o carro n.º 25 de uma cooperativa de táxis de Oeiras.

Apanhou-me naquele descampado que é, à noite, a TVI, e quis logo saber se eu era figurante.
Eu estava estafada, e não dei grande troco.

Mas nem vale a pena falar, porque o Sr. Luis Conceição só quer que o oiçam, e a tudo responde:

- Só conto ao Sócrates.

O Sr. Luis Conceição, que diz já ter feito de tudo na vida, desde pertencer à Marinha Mercante que, segundo afirma, lhe está a dever milhares de contos, até andar pelas Américas, tem um plano infalível para pôr Portugal no primeiro lugar entre todos os países do mundo, no que toca a bem-estar, emprego, saúde, cultura, tudo.

Claro que é um plano que, à partida, exige algum investimento mas, ele já fez as contas, estará completamente pago “dentro de 14 a 21 anos”.

Garante que é um plano facílimo, já completamente estruturado na sua cabeça, - mas não cai na asneira de o divulgar.

Ele quer, pura e simplesmente, enfrentar o Primeiro-Ministro na televisão. Mas também só divulga o plano depois de o nosso Primeiro lhe passar uns milhõezitos para as mãos (“olhe que é mais barato que esse TGV que não serve para nada!”)

De repente vem-me à cabeça uma rábula de uma revista do Parque Mayer, em que a Dora Leal, fazendo de cigana à porta de uma barraca da Feira Popular, berrava: “Um escudo, um escudo, e a Dora diz tudo!”

É claro que isso já foi há muitos anos, o custo de vida aumentou muito, a inflação é o que se sabe e, por isso, por um escudo já ninguém diz seja o que for.

Mas por alguns milhões, o Sr. Luís Conceição dá a receita da felicidade.

Já tentou a televisão, mas respondem-lhe que, se ele não escrever exactamente aquilo que pretende lá ir dizer, nada feito. E ele não vai nessa, tá quieto ó mau, ele revelava o plano e depois outros apropriavam-se dele, não? Garante que não quer enriquecer, mas apenas uma vida desafogada. O que não é muito para quem tem nas mãos o santo-e-senha da entrada para o paraíso.

Interlocutor só aceita um: José Sócrates.

E é bom que Sócrates se apresse. Primeiro, porque o país está numa crise que não aguenta mais. Segundo porque, se a resposta tardar, ele vai direitinho a Espanha oferecer (“oferecer” é, como já vimos, uma força de expressão) os seus serviços.

Eu, se fosse ao engº Sócrates, apressava-me a mandar chamar o sr.Luis, antes que ele — mesmo sem TGV — desande para Espanha.

Há alguns séculos houve um tipo que fez isso como pretexto para dar a volta ao mundo — e ficou-nos sempre atravessado…

Quando quiser, Sr. Primeiro-Ministro, é só dizer, eu tenho todos os contactos. Até porque o Sr. Luis prometeu fazer a minha felicidade se eu o ajudar a fazer a felicidade de toda a gente.
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«JN» de 18 Dez 09