quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Reféns uns dos outros

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Por Baptista-Bastos

O COMPROMISSO, em política, há muito deixou de pertencer aos domínios da razão moral. Ninguém cumpre e todos acham a indignidade coisa congénita. Os critérios estão entorpecidos, a verdade estropiada. Não se percebe o que quer o PSD, além da chicana metafísica sistematicamente provocada. Sabe-se, isso sim, do verdete a Sócrates alimentado, sem disfarce, pela dr.ª Manuela. Questão passional, nada a ver com política.

A tese agora, é a seguinte: o PS serve, Sócrates tem de ir embora. A alegação faz caminho. E, apesar dos surpreendentes apoios de Mário Soares à governação, nos socialistas (ainda há alguns no templo) o mal-estar é grande. Assistem a vitórias que garantem o poder; mas o poder está enfermo.

Com arfante sobressalto teme-se um "Governo de Assembleia", curiosa expressão, entre o antipático e o gracioso, tão ao gosto da confusão portuguesa. Quer-se dizer: receia-se que o Parlamento substitua o Executivo. Há, aqui, algo de brumoso. Vejamos: logo-assim haver perdido a maioria absoluta, José Sócrates preparou a estratégia do remendo. À Esquerda e à Direita procurou aliados providenciais. A dr.ª Manuela disse-lhe logo que não. Outra resposta não seria de esperar. O ódio pessoal sobrepõe-se a qualquer salvação da pátria. Os outros partidos, com o perfume do mando a entrar-lhes nas narinas, pareciam coristas a sorrir de enlevo.

Cedendo ao CDS e concedendo ao Bloco e ao PCP, montando umas cenas de teatro de revista e uns pequenos atritos retóricos, o Governo não deixa de ser refém da Assembleia. Mas a Assembleia é, também, cativa do Governo. Sócrates joga com a ameaça de ir a Belém dizer ao Chefe do Estado ser impossível gerir o País, dada a negação dos partidos em colaborar com a circunstância. Vai a votos e pode obter a maioria absoluta, repetindo a estranha proeza do dr. Cavaco. A História, por vezes, semelha-se a páginas humorísticas.

O PSD é a desgraça que aí está. Ninguém quer a dr.ª Manuela, mas a perspectiva é Passos Coelho ou Aguiar-Branco: uma novela nada recomendável. Que fazer?, a obscura natureza dos problemas leva-nos à interrogação leninista. Surge o dr. Balsemão e, com a graça discreta de um patrício romano, adverte dos perigos de extinção que corre o partido. Apresenta não sei quantas soluções para a crise. Ninguém as vai seguir, cumprir ou respeitar.

As regras da arte estão à vista. A identidade dos partidos é mediatizada pelo simulacro. Tudo é mentira, tudo é meia-verdade. E não parece que a sociedade esteja inclinada a modificar o que quer que seja. A erosão dos padrões, o assustador avanço da iliteracia política e a vitória do descalabro sobre a consciência constituem a representação da vida política portuguesa. Não há batalha que não comporte uma ideia de grandeza. Quem dirige o País nunca a teve.

«DN» de 9 Dez 09