terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Guerrilhas

.
Por João Paulo Guerra

Sou jornalista há 16 primeiros-ministros e bastante mais de 20 governos e não consigo recordar-me de um ambiente político tão degradado e rasteiro como o que se vive por estes dias.
JÁ VI PRATICAMENTE de tudo. Um ex-presidente do Conselho a dar entrevistas convencido que continuava a chefiar o Governo, um primeiro-ministro em greve, gabinetes que caíram por uma parte do próprio Governo lhes tirar o tapete, primeiros-ministros e governos inteiros que fugiram. Mas nunca tinha visto Presidência da República e Governo a trocaram recados, queixas e reprimendas pelos jornais, acusando-se reciprocamente de intriguistas. Tanto mais que este clima de degradada crispação não é de agora. No Verão passado, Presidência e Governo envolveram-se em azedas trocas de acusações de espionagem.

Para além do baixíssimo nível da discussão, há a registar que esta novela de cordel que se arrasta nos jornais constitui verdadeira "Guerra do Alecrim e Manjerona", ópera de bonifrates de António José da Silva, do século XVIII, em que Tibúrcios e Semicúpios se envolvem numa guerra oca de paradas e respostas. Com uma diferença: as "Guerras do Alecrim e Manjerona" eram uma ópera bufa. A troca de galhardetes entre Belém e São Bento não tem graça de espécie nenhuma.

Como é que os portugueses podem ter confiança nas instituições se os números 1 e 3 da hierarquia do Estado democrático andam às caneladas em forma de notas públicas de imprensa? A desqualificada contenda a que os portugueses assistem demonstra talvez que há um ciclo da democracia portuguesa que se esgotou e de protagonistas que deram o que tinham a dar. O problema é que, ao contrário dos Tibúrcios e Semicúpios, os protagonistas de tão deprimente espectáculo não saem de cena.
«DE» de 22 Dez 09