quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Espiões

Por João Paulo Guerra

O poder em Portugal está acometido de uma psicose delirante de tipo persecutório: em todo o lado vê conspiração, perseguição, traição, espionagem. Trata-se de uma modalidade de transtorno delirante crónico que qualquer psiquiatra do SNS poderá diagnosticar.
HÁ QUATRO MESES, interrogava-se o jornal Público: “Está o Palácio de Belém sob escuta ou sob vigilância?” E para quem quisesse esclarecer-se sobre tão bizarra como improvável situação, o Público acrescentava que “fontes da Casa Civil” alimentavam a dúvida. Sabemos o que sucedeu depois: a Presidência desautorizou a “fonte” mas recentemente promoveu-a na hierarquia de Belém.

Entretanto, o transtorno psicótico contagiou o Governo e o PS. Um ministro, não no exercício de tais funções mas como cidadão livre de dizer coisas, comentando um processo judicial relativo a sucatas e tráfico de influências, declarou em 15 de Novembro que se estava perante uma situação de “espionagem política" (…) "extremamente preocupante". A “espionagem” ficou na agenda política e agora o PS / Governo vem denunciar que a Mata Hari deste enredo é Manuela Ferreira Leite. O que é seguramente uma absoluta surpresa para os portugueses que poderiam pensar o pior sobre a líder do PSD menos que a senhora trabalha de espia, como a Maria Albertina da Guerra de 1908 do Solnado.

A verdade é que a contra-espionagem do PS mantém a acusação. "Como sabia ela [Manuela Ferreira Leite] que o primeiro-ministro estava a mentir” [sobre o caso TVI]? A resposta é elementar, meu caro Watson: “Três meses depois percebi que esse era um facto das alegadas escutas”. Ou seja, Manuela Ferreira Leite teria escutado as escutas. Ora isto é espionagem, pura e dura. John Le Carré não argumentaria melhor.
«DE» de 4 de Dezembro de 2009