quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Irlanda

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Por João Paulo Guerra

ESTAREI enganado ou, ao longo das últimas décadas, a classe política portuguesa apontou ao bom povo português, a torto e a direito, o exemplo da Irlanda como molde das virtudes da União Europeia, do Euro e do carácter humano do capitalismo selvagem? Não, não estou enganado. Faço uma busca nos arquivos da Coluna Vertebral – já em 11 anos consecutivos de publicação – e surgem-me catervas de referências. A Irlanda para aqui, a Irlanda para ali, no discurso directo de políticos no activo, ou na oratória indirecta de políticos de reserva, lá vinha a Irlanda à baila como exemplo de um pequeno país, um pobre povo, que soube crescer com desenvolvimento e ser feliz. A Irlanda até motivou polémicas entre os seus diversos defendentes portugueses, cada um argumentado contra os argumentos de outros. Mas todos indicando ao bom povo português que pusesse os olhos no exemplo da Irlanda.

E foi assim que chegámos à actual situação: cada português irá contribuir com cerca de 130 euros para ajudar a Irlanda. Ou, melhor dizendo, cada português vai entrar com dinheiro para salvar do colapso o sistema bancário irlandês, dado a delírios extremos e até a frenéticas delinquências na Irlanda como em todo o mundo. Porque é nisso que consiste a «ajuda» à Irlanda, como poderá vir a consistir a «ajuda» a Portugal, por parte de instituições tão «beneméritas» como seja o Fundo Monetário Internacional. Consiste em introduzir dinheiro para salvar os bancos, tendo como contrapartida uma austeridade que vai até à miséria para o povo, com perda de conquistas históricas da civilização e recuos legislativos até aos tempos da lei da selva.

Estão todos muito calados a este respeito. Provavelmente nem se recordam de alguma vez terem falado nessa tal Irlanda.
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«DE» de 24 Novembro 10