segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Há palavras a menos na política portuguesa

.
Por Rui Tavares

SEJAMOS HONESTOS, Cavaco Silva se pudesse sufocaria estas eleições no berço porque, simplesmente, é o que lhe dá mais jeito.

Faltam palavras na política portuguesa. Por exemplo, palavras como “sonso”. E falta utilizar essas palavras quando Cavaco Silva, atual presidente da República e candidato à sua própria sucessão, diz que “há palavras a mais na nossa vida pública”.

Cavaco Silva está a matar, devagarinho, qualquer hipótese de termos uma campanha presidencial esclarecedora.

Fá-lo porque nunca entendeu o valor do confronto de ideias; Cavaco Silva não é, essencialmente, um pluralista. Sempre insistiu que duas pessoas confrontadas com os mesmos dados têm a mesma opinião. Isto significa que não entende porque têm os outros outra uma opinião diferente da dele; essa é uma realidade que ele aceita (se aceitar) a custo, e que portanto não se percebe como pode prezar. Adicionalmente, sempre atacou a retórica, ou seja, o lado público e discursivo da política, que é o alicerce da democracia. Não reconhece que a vida pública precisa de palavras a mais, todas diferentes, algumas erradas, para se aperfeiçoar.

Mas, sejamos honestos, Cavaco Silva se pudesse sufocaria estas eleições no berço porque, simplesmente, é o que lhe dá mais jeito. Com a mobilização a zero, não há surpresas; o ideal seria que ninguém reparasse que há eleições. Não haver cartazes nas rua é um bom começo, principalmente quando se tem a TV e os jornais todos os dias assim: “Cavaco defende previsibilidade”, “Presidente recomenda precaução”, “Cavaco Silva condecora empresários” Ui, que profundo.

Isto não é programa político nem plataforma eleitoral e, acima de tudo, é demasiado mau para ser verdade. E porquê? Porque uma eleição é um momento supremo de clarificação para uma sociedade; nós gastámos os nossos cartuchos já no ano passado e o país ainda precisa de saber o que lhe vai acontecer. O próximo presidente vai, talvez, dissolver o parlamento, assistir à entrada do FMI e ver a União Europeia desmanchar-se ou mudar.

Qualquer candidato que não fala claramente sobre estas coisas está a faltar às suas obrigações para com o eleitorado.

Na crónica da semana passada sobre a “austeridade”, cortando caracteres para que coubessem na coluna, acabei por suprimir um parágrafo. Dizia assim:

“Além disso, a Irlanda já fez todos estes cortes, e os mercados não a deixam em paz. É até a nossa principal esperança para ir à nossa frente no caminho da bancarrota Como os irlandeses já sofreram demasiado, não lhes desejo essa sorte.”

Hoje, estou arrependido. Deveria ter deixado essa frase e acrescentado que Portugal deveria ter um plano para quando isso acontecesse.

Infelizmente, como lembram no blogue de economistas “Ladrões de Bicicletas”, o único plano de Portugal é dizer que é diferente da Irlanda, tal como o único plano da Irlanda é pedir que não a confundam com a Grécia, e o plano da Espanha é explicar que nada tem a ver com os outros.

Têm razão no fundo. A Irlanda de sonho dos neoliberais tem pouco a ver com a Espanha superavitária de há dois anos, ou com a Grécia de contas fraudulentas, ou o nosso Portugal que tão bem conhecemos e nos aflige.

Mas estão errados na forma. A forma como o euro está feito prejudica todas as economias periféricas, e estas têm de se juntar para dizer isto mesmo. Não precisam de mais do que fazer uma reunião em qualquer das capitais e escrever uma declaração simples. Berlim e Paris não podem mandar sozinhas em prejuízo imediato dos outros, e ruína final de todos.
.
In RuiTavares.Net