terça-feira, 25 de agosto de 2009

Embustes marcianos

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Por Nuno Crato

DESDE QUE, EM 27 DE AGOSTO de 2003, Marte se aproximou espectacularmente do nosso planeta, que a imaginação de alguns internautas se inflamou com as notícias. Repescando e exagerando as informações que na altura circularam, todos os anos têm surgido de novo na Internet mensagens chamando apelando à observação dos céus na noite de 27 de Agosto. Este ano, ou porque o Verão tem estado menos quente, ou porque as notícias da política ou do futebol são menos animadoras, as mensagens surgem com redobrado vigor e muitos amigos me têm escrito, perguntando se é verdade que Marte vai aparecer tão grande como a Lua, como se diz nessas notícias.

Tomando como amostra os meus amigos, que prezo como pessoas sensatas — bem… quase todos! —, imagino que muitos curiosos haverá que estejam crédulos nessas notícias fantasiosas. Lamento desiludi-los, pois seria engraçado ver duas luas no céu, uma prateada e outra avermelhada. Nada disso vai acontecer. Dia 27 de Agosto, pela meia noite e meia, hora que se anuncia nas mensagens, Marte estará ainda adormecido debaixo do horizonte. Levanta-se pelas 2h da madrugada, pelo que apenas estará visível no céu para os mais noctívagos. Mesmo assim, terá uma luminosidade modesta. Não muito longe do planeta aparecerá, à sua direita, a estrela Aldebarã, de Touro, também avermelhada, mas mais luminosa do que Marte agora está.

Convém também que se diga que nunca o planeta vermelho nos poderá aparecer com tamanho aparente semelhante ao da Lua. Este nosso satélite e o Sol são os únicos dois astros que são visíveis a olho nu como discos luminosos. Todos os outros se encontram muito mais longe que a Lua e são tão mais pequenos que o Sol que, a olho nu, o seu tamanho aparente nunca é distinguível — aparecem-nos sempre como simples pontos luminosos.

A altura em que Marte é mais espectacular é a da chamada oposição, momento em que, para observadores sobre a Terra, se encontra na posição oposta à do Sol e, por isso, está frontalmente iluminado pela nossa estrela. Nessa altura está também mais perto de nós do que é usual.

Imagine o leitor que a Terra e Marte são dois corredores em pistas circulares concêntricas. A Terra é o corredor na pista mais perto do centro do estádio, por isso ligeiramente mais curta, e Marte é o corredor na pista mais afastada. A Terra dá uma volta ao estádio mais depressa do que Marte. Se os dois corredores começarem a correr, cedo estarão em pontos espalhados pelo estádio até que o corredor interior, representando a Terra, dando voltas mais rápidas, se aproxima por trás de Marte, mais lento. No momento em que estiverem ambos lado a lado, com a Terra a ultrapassar Marte, estão mais perto um do outro do que em qualquer outra posição. Nessa altura, a Terra tem à esquerda o centro do estádio, que representa o Sol, e à direita, portanto em posição oposta, estará Marte. Foi o que aconteceu em 2003, 2005 e 2007. Não este ano.

Se o leitor quiser observar o planeta vermelho em oposição — e o espectáculo vale a pena —, esqueça os dislates excêntricos dos amantes de notícias estapafúrdias. Espere apenas seis meses. Em 29 de Janeiro de 2010 terá oportunidade para ver Marte com um brilho espectacular. Até lá, neste Ano Internacional da Astronomia, contente-se com Júpiter, que aparece bem luminoso a sudeste logo que o Sol se põe. E tenha boas férias!

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 22 de Agosto de 2009