quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A cega teimosia do dr. Cavaco


Por Baptista-Bastos

As eleições estão à porta. O dr. Cavaco é o Presidente de alguns portugueses - e não, definitivamente, de todos.

QUEREMOS MESMO mudar as coisas? Queremos mesmo alterar os factores políticos que nos dominam? O social fornece o cenário, e o cenário é fixo; quero dizer: os códigos sociológicos indicam que somos extremamente conservadores, tementes a qualquer reportório que suscite a apreensão de perdermos os nossos protótipos electivos. Secularmente inculcados pela Igreja. O recente veto do dr. Cavaco à lei das uniões de facto é disso exemplo. Mas não deixa de constituir um absurdo, porque as "explicações" de Belém, aludindo aos "valores", alimentam múltiplas incertezas.

O dr. Cavaco, sobre ser católico (o que ninguém leva a mal), impede-se, por uma estreita visão do mundo, de compreender as novas relações sociais. Ele não descortina os sinais do tempo; e aqueles de que dificultosamente se apercebe, fecha-os no círculo limitadíssimo das suas avaliações. Não se trata de birra; nem, sequer, admito-o, acaso ingenuamente, de um braço-de-ferro com Sócrates e o PS. Com perdão da palavra, o homem é, manifestamente, reaccionário, pouco permeável à fluidez social e tende a recuperar velhas figuras de autoridade. É o pior Presidente da II República.

Quem o lá colocou foram os mesmos que recusam, por ignorância, a pluralidade dos princípios, e apenas admitem como irretorquível aquele que lhes parece ser o "chefe." Há, nesta subserviência, algo que toca a servidão ou, pelo menos, uma redução de cidadania e uma renúncia do indivíduo aos elementos estatutários da sua própria identidade.

Os bispos rejubilaram com a decisão, que não é só triste: é escabrosa. Está ferida de insensibilidade, de desprezo pela mobilidade da sociedade humana, de abstrusa teimosia na defesa de um Portugal Velho, supersticioso, paralisado, de mentalidade pacóvia. Não enxergam, um, por ideologia cega; os outros porque continuam a reduzir o mundo à escala da abstracção, que os elos societários são animados por interesses colectivos. Mais cedo do que tarde, a lei será aprovada, porque concilia a generosidade das ideias com a dimensão colectiva.

Nesta desconsolada refrega, o dr. Cavaco esvaziou de sentido o tópico essencial das suas funções: o de mediador. Vetou, e é assim. Uma vez ainda, demonstrou que não está empenhado em estabelecer consensos, em moldar harmonias. Há uma parte da sociedade que o aplaude. Certamente, a mais anacrónica, como se tem visto. Será a mais significativa? Duvido. É nesse número de portugueses que o dr. Cavaco sustenta as decisões tomadas. O que significa uma ausência de definição geral, propícia a introduzir a instabilidade e, por consequência, a incerteza. E as eleições estão à porta. Quero dizer com isto que o dr. Cavaco é o Presidente de alguns portugueses - e não, definitivamente, de todos.

«DN» de 26 de Agosto de 2009