sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Psiquiatras Fora dos Tribunais Já


Por Maria Filomena Mónica

QUE EU SAIBA, os juízes são pagos para determinarem se um individuo é culpado ou inocente. Tanto quanto possível, a sentença baseia-se nos factos apurados no decurso da investigação, sendo os magistrados soberanos na formulação do juízo. Apesar de tentarem ser imparciais, os juízes são humanos, o que faz com que exista a possibilidade de erro. Daí a existência de recursos, embora nunca se possa ter a certeza de se ter atingido a Verdade. Além de no Vaticano, onde o Papa, esse sim, decreta o que é e o que não é, aquela só existe, e nem sempre, no interior dos laboratórios de Química.

Vem isto a propósito do famoso julgamento da Casa Pia. Há anos que, além das testemunhas, dos arguidos e dos advogados, o tribunal está o ouvir «especialistas» supostamente capazes de avaliar se os miúdos, que dizem ter sido violados por um bando pedófilo, têm «psicopatologias» capazes de originar «uma tendência para a efabulação ou mentira». A opinião pública considera isto aceitável. Mas não o é, pela razão simples de que, por mais graus académicos que possua, ninguém é capaz de determinar, através de testes, se um jovem tem, ou não, tendência congénita para dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade.

Assim como os sistemas legais funcionam na base da presunção da inocência, os indivíduos acusados de crimes não devem ser tidos como competentes ou incompetentes apenas porque um médico os rotulou como tal. Como, em tempos, disse o psiquiatra Thomas Szasz, a incompetência mental deve ser avaliada como qualquer outra forma de incompetência, ou seja, por meios legais e judiciais. O recurso ao psiquiatra radica, em grande medida, na covardia dos juízes. Em casos de pedofilia – os quais, pela sua natureza, são muito difíceis de resolver – a tentação para solicitar ajuda fora do tribunal é quase irresistível. Ao contrário do que aconteceu com o juiz Teixeira, a juíza Ana Peres tem-se dado ao respeito. Deve, por conseguinte, saber que é a si que, na solidão do seu colectivo, compete julgar.

Abril de 2008