terça-feira, 4 de maio de 2010

Antony Flew

Por Nuno Crato

UM EXCELENTE ARTIGO de José Cutileiro no Expresso da passada semana trouxe-me a notícia de que o filósofo inglês Antony Flew tinha falecido. No artigo referia-se o ateísmo do filósofo e a sua conversão ao deísmo, isto é, à crença na existência de alguma inteligência criadora do mundo, mas não necessariamente num deus que influenciasse a vida dos homens, como é o Deus do cristianismo e de outras religiões.

Antony Flew nascera em Londres, em 1923, e tinha sido professor em Oxford e outras grandes universidades. O seu ateísmo tornara-se lendário – o seu artigo “Theology and falsification”, de 1955, foi, segundo alguns, o artigo filosófico mais lido da segunda parte do século XX. Por tudo isso, o anúncio da sua conversão em 2004 foi ainda mais polémica. O livro que a explica, There is a God: How the World's Most Notorious Atheist Changed His Mind (Harper, 2007), escrito em conjunto com Roy A. Varghese, tornou-se um bestseller e semeou um debate filosófico muito intenso. Flew, que sempre tinha sido mais sensível aos argumentos científicos do que aos metafísicos e de fé, anunciou a sua mudança com base nas descobertas recentes da cosmologia e da física. Destacava, por exemplo, o big bang e a ideia de que as constantes da física estavam “finamente sintonizadas” de forma a permitir o aparecimento da vida.

Tudo isto tornou Antony Flew num dos filósofos contemporâneos mais conhecidos. Mas cada um de nós tem os seus interesses, e a minha admiração pelo pensador inglês vem de outras polémicas e de outros tempos.

Nos anos 1960, a dita “nova sociologia do conhecimento” e a dita “nova sociologia da educação” começaram a afirmar que todo o conhecimento é socialmente construído e que, por isso, toda a educação deve deixar de se preocupar com a transmissão de conhecimentos pretensamente absolutos e passar a questionar o saber.

Alan Blum, por exemplo, um dos sociólogos norte-americanos que Flew mais criticou, dizia que categorias como as de “casamento, guerra e suicídio só são vistas, reconhecidas e tornadas possíveis através da prática organizada da sociologia”. De onde concluía que a sociologia não devia estudar um “mundo externo”, pois são os métodos e processos da sociologia que”criam e sustentam esse mundo” (“The corpus of knowledge”, 1971). Flew percebeu que se tratava de uma visão idealista, que acabava por negar a existência de um mundo externo, seja físico seja social, e que repetia as ideias dos chamados empírio-criticistas do início do século XX, nomeadamente Ernest Mach e Richard Avenarius. Não escapou também a Flew um facto poucas vezes notado. A dita “nova sociologia do conhecimento”, que veio a gerar os absurdos pós-modernistas, reproduzia o que já antes tinha sido criticado como posições filosóficas contra o racionalismo. A este propósito, o filósofo inglês tinha a ironia de citar directamente Vladimir Lenine, que dedicou muitas páginas a criticar e denunciar a versão original da “nova sociologia” como idealista e reaccionária.

Mais interessante ainda é a premonição que Antony Flew tem dos efeitos nefastos que as posições que mais tarde se vieram a classificar como pós-modernas iriam ter na educação. No seu livro “Sociology, Equality and Education” (Macmillan, 1976), prevê que desprezar o conhecimento da realidade e privilegiar a “desconstrução” e os processos pedagógicos acabaria por secundarizar os conteúdos curriculares e prejudicar a transmissão de conhecimentos. Boas razões para ler, ou reler, Antony Flew.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 30 Abr 10 (adapt.)