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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Os papa-reformas

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Por J.L.Saldanha Sanches

FALA-SE MUITO, nos últimos tempos, em medidas para reduzir o défice. Medidas fiscais, diz-se até, de justiça fiscal.

O aumento do IVA é compreensível e mais justificado do que a redução populista nas cadeiras dos bebés ou nos ginásios, que os consumidores nunca sentiram no bolso. Há pouco tempo foi a aprovação da tributação das mais-valias em IRS para acções detidas há mais de doze meses - medida justa, pois a não tributação era uma singularidade portuguesa. Para as acções alienadas antes da entrada em vigor da lei, a tributação é claramente retroactiva. Mas há na Constituição mais princípios do que o princípio muito tropical da não retroactividade da lei fiscal - e a possibilidade financeira de manter o Estado Social é apenas um deles.

Em qualquer caso, a justiça fiscal é uma questão que não se coloca só do lado da receita pública. Receita e despesa são o verso e o anverso do problema da justiça fiscal. É também muito provável que o esforço financeiro venha a atingir a segurança social, as pensões, as reformas.

Ora, de nada serve aumentar o IVA, ou tributar mais-valias, se o Estado continua a esbanjar recursos.

No esbanjadouro são muito claros dois tipos de papa-reformas: as obras públicas desnecessárias e os papa-reformas em sentido próprio.

O Estado (o Governo, o primeiro-ministro) vive agrilhoado a um conjunto de compromissos políticos, arranjinhos, promessas, vassalagens, dívidas que paga periodicamente em quilómetros de auto-estradas, túneis e, agora, em TGV com paragens em todas as estações e apeadeiros do poder local (desenhado em cima do mapa da volta a Portugal em bicicleta). Já todos sabemos que Portugal tem mais quilómetros de auto-estrada do que muitos países mais desenvolvidos, que não fazem sentido muitas dessas estradas e que é um absurdo havê-las sem custos.

O que é uma verdadeira esquizofrenia é que nada se faça neste momento de verdadeiro aperto das finanças públicas. E o discurso da oposição, que defende a suspensão das grandes obras públicas, mais parece um salivar em vésperas de poder, um repto para que se guarde o melhor vinho para depois de eleições - e não uma verdadeira preocupação com as finanças, ou seja, com os contribuintes.

Além das vassalagens, não podemos esquecer os outros papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. Basta ver o caso do Banco de Portugal, ou outros menos imorais, que permitem que uma série de cidadãos - gente séria, acima de qualquer suspeita - se alimente vorazmente, em acumulações de pensões, reformas e complementos, que começam a receber em tenra idade. Muitas vezes até com carreiras contributivas virtuais, sem trabalho e com promoções (dizem que para isto são muito boas a Emissora Nacional / RTP e a Carris).

Tudo isto, como sempre, é feito ao abrigo da lei. É que isso dos crimes contra a lei é para os sucateiros. O problema é que a lei que dá é refém dos beneficiários que tiram e da sua ética.
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«Expresso» de 15 Mai 10

Nota do semanário, que acompanhava a publicação do texto: Professor universitário e fiscalista, José Saldanha Sanches morreu ontem, aos 66 anos, vítima de cancro. O Expresso publica hoje a sua última crónica. Ditou-a esta semana, já internado no Hospital de Santa Maria.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Os equívocos de Alegre

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Por J. L. Saldanha Sanches

MANUEL ALEGRE denunciou o PEC, que mais uma vez vai atirar o peso da crise para os alvos habituais. Fez bem, mas omitiu o essencial.

O PEC é a factura que vamos pagar por anos e anos de saque organizado e contínuo dos recursos públicos, por uma vasta quadrilha pluri-partidária que vive de comissões, subornos e tráfico de influências. As derrapagens, sempre as derrapagens…

Tudo isto é velho e tem raízes fundas. Não podemos é deixar de recordar a responsabilidade que este Governo e este PS têm no agravamento da situação.

Começaram por pôr Alberto Costa na justiça. Nomearam Ricardo Rodrigues para porta-voz nesta área. Conseguiram tornar ainda mais labiríntico o Código do Processo Penal. Deram todos os sinais ao mercado da economia paralela de que os ventos eram de feição.

Guardar um respeitoso silêncio nesta matéria não é hipocrisia, é cumplicidade activa. Atacar o PEC (e o economicismo, um conceito tão vazio como a cabeça dos que o utilizam) é fácil. Mas não chega.

A principal razão dos ataques de João Cravinho à corrupção é a percepção que este tem há muito de que, com este nível de esbulho de dinheiros, a corrupção no sector público torna totalmente insustentável qualquer ideia de que este possa ter um papel na economia, se não determinante, pelo menos complementar.

Para o Bloco de Esquerda, estas questões são secundárias. O capitalismo é a própria expressão encarnada da corrupção e das malfeitorias. Contudo, se pensarmos de forma diferente, nenhum candidato que queira assumir de forma séria os reais problemas do país, e que não aceite facilmente os trinta dinheiros que compram tudo e todos, não pode enfiar a cabeça na areia e fingir que a corrupção, ao nível que atingiu, é apenas mais um dos problemas do país.

Um candidato sério tem que ter o saque da res publica no centro da sua agenda política. Tem que ter coragem para enfrentar aquela frente tão difusa como bem estruturada que consegue fazer da corrupção uma questão sobre a qual se desliza sem grande atrito e sem consequências – pode eventualmente abordar-se o tema, mas rapidamente o discurso desliza dessa para outras questões.

Corremos o risco trágico de ter candidatos a atirar impropérios à ganância dos especuladores internacionais, mantendo um silêncio cúmplice sobre os métodos de gestão da coisa pública que nos deixaram indefesos e impotentes nas suas mãos.

Sabemos que o problema tem as mais variadas faces. Podemos mesmo esperar que da Comissão de Acompanhamento da AR saiam algumas propostas consensuais. Aprová-las será para alguns membros da mesma Comissão, não o proverbial ingurgitamento de sapos, mas de tartarugas.

Ficar calado, refugiar-se em minúcias técnicas, andar de braço dado com os fautores públicos e notórios da corrupção tem que ter um preço. E esse preço é a assunção pública e expressa de que se trata de um candidato de um regime apodrecido. Por isso, para Alegre a opção é clara: ou procura o apoio das quadrilhas que nos roubam impunemente, ou guarda um silêncio cúmplice e envergonhado a troco de meia dúzia de votos, ou toma sobre a corrupção uma posição digna e inequívoca.
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«Expresso» de 10 Abr 10
– www.saldanhasanches.pt

segunda-feira, 22 de março de 2010

O Buraco das Fundações

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Por J.L. Saldanha Sanches

UMA FUNDAÇÃO é uma estrutura que perpetua memória do seu fundador (ou algo equivalente) que a dota de um capital suficiente para que esta possa prosseguir os seus fins. A Fundação Gulbenkian, a Fundação Champalimaud, mais recentemente a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Mas há outras.

Temos as chamadas fundações públicas, pagas apenas com dinheiro do Estado para dificultar o controlo do Tribunal de Contas. Temos também as fundações mendicantes: um generoso filantropo pratica boas acções com o dinheiro dos contribuintes.

E certas fundações que parecem ter sido criadas apenas para fugir aos impostos.

Capital, pouco. Receitas, sabe-se lá. Boas intenções, em vez de boas acções.

O primeiro dever de uma fundação é ser inteiramente transparente e hoje a transparência chama-se internet.

O documento sobre boas práticas do Centro Português de Fundações, criado em 1993 pela Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Eugénio de Almeida e a Fundação Oriente, afirma no seu princípio n.º 5 (sobre a “transparência e prestação de contas”): “fundações actuam de forma transparente e adoptam práticas exigentes de prestação de contas, podendo complementar as obrigações legais com medidas adicionais”.

No entanto experimentem obter informação na net sobre duas fundações que têm andado nas bocas do mundo: a Fundação Figo e a Fundação Saramago e verão o que obtêm. Que capital, quais receitas? O que quer dizer que nada podemos dizer sobre se elas cumprem ou não os fins que justificaram a sua criação.

Daqui passamos para os perigos que podem ter as fundações: para além da mendicância, se tiverem o estatuto de utilidade pública, um regime fiscal privilegiado.

As receitas obtidas no exterior por não residentes, em especial se a residência for numa zona de baixa fiscalidade, se forem receitas como direitos de imagem ou direitos de autor podem escapar quase totalmente a qualquer tributação pessoal, com taxas progressivas. Mas restam as taxas fixas, pagas por não residentes, cobradas no país fonte do rendimento.

Aqui, uma fundação faz maravilhas: cobrindo a ganância com o manto da benemerência e das piedosas intenções temos uma estrutura que escapa à tributação e que permite uma adequada gestão de fundos numa entidade ao serviço do fundador ou seus próximos. O dinheiro passa da conta pessoal para a conta da fundação e basta fazer qualquer coisa para manter as aparências. Um esforço largamente compensado.

Os perigos destes buracos só serão controlados se a Administração fiscal se convencer que, além de verificar se as empresas enviam o IVA retido, tem também de se preocupar com este tipo de planeamento fiscal agressivo. A lei deveria ser muito mais exigente, mas o regime actual dá à Administração fiscal possibilidades de actuação.

E num momento em que o fisco vai extrair mais uns centavos aqueles milhões de contribuintes com escassos recursos e que não fazem, nem podem fazer, nenhum tipo de planeamento fiscal, esta preocupação com os tartufos fiscais é mais do que necessária. A omissão administrativa é um insulto aos contribuintes que têm de pagar.
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«Expresso» de 20 Mar 10 – www.saldanhasanches.pt

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Escutar o Primeiro-Ministro

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Por J.L. Saldanha Sanches

A TRANQUILIDADE com que o legislador previu um regime especial para as escutas ao primeiro-ministro era de muito mau agouro. Parecia prever que seria normal ter primeiros-ministros que iriam estar, mais tarde ou mais cedo, embrulhados nas malhas de uma qualquer escuta.

O pior é que acertou. Mas se perguntarmos quem é que deve escutar o primeiro-ministro a resposta só pode ser uma: ninguém.

Se chegamos ao ponto em que os amigos mais próximos do primeiro se envolvem em crapulosos casos de polícia levando a que sejam escutados e arrastando para a rede do controlo judicial altas figuras do Estado, então, tudo está perdido.

Dir-se-á que em Portugal vigora a separação de poderes e o princípio da igualdade perante a lei. Que nada impede que o primeiro-ministro seja investigado como qualquer cidadão.

Mas tudo isso são tretas. O sistema não suporta, sem danos sérios, esse tipo de investigação.

Quando um magistrado tem de começar a pensar se uma decisão sua não irá provocar uma crise política, se essa crise política vai ou não pôr em risco o crédito da República, se haverá alguém que o possa substituir, então vamos ter uma má decisão.

“Hard cases made bad law”. E casos como estes são de uma dificuldade infinita, quando colocam na esfera judicial decisões inteiramente políticas.

Solução?

Os partidos têm de ter de vergonha e ter cuidado com quem colocam nos postos cimeiros.

Não temos ainda em Portugal o sistema de vetting ou de investigação para quem vai assumir altos cargos. Mas nos partidos políticos sabe-se tudo de toda agente. De onde se veio e o que é que se fez. Que esqueletos é que podem sair dos armários.

Ao que parece estamos tão mal que coisas que em tempos normais seriam impeditivas já não o são. Mas se assim é não venham depois queixar-se das consequências.

Nem esperem que a justiça vá resolver bem esses casos. Por excesso ou por defeito ela vai exibir todas as suas fraquezas.

A justiça pode servir perfeitamente para meter na cadeia um ou outro presidente da câmara particularmente relapso (geralmente, nem isso consegue), mas não para decidir quem vai ficar em S. Bento. Está para além das suas forças (mesmo, se por qualquer milagre, ela conseguisse ser muito melhor que o sistema político que a criou) esse tipo de decisões que, na verdade, não lhe podem caber. Por mais que se diga que a Constituição prevê, garante ou determina.

Se não, olhemos para a Itália: escorraçados os Craxis, entram os Berlusconis. A impotência da justiça cria o descrédito da política e da justiça.

A solução está por isso antes da justiça e dentro dos partidos: quem nos vão propor, quem é que vamos escolher. Quando os aparelhos partidários estão tão apodrecidos que já não conseguem distinguir entre quem podem e quem não podem colocar em certos lugares, não há regime legal de escutas que nos valha.
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NB: O silêncio conivente e envergonhado de Manuel Alegre a respeito da Face Oculta é de uma grande eloquência. Ficamos a saber qual é o PS cujo apoio ele pretende.

«Expresso» de 27 Fev 10 – www.saldanhasanches.pt

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Agenda da Comissão

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Por J.L. Saldanha Sanches

A COMISSÃO PARLAMENTAR sobre o acompanhamento da corrupção vai começar as suas audições sobre a corrupção começando pelos órgãos institucionais e passando para os órgãos operacionais.

Resultado provável: zero.

As comissões de inquérito parlamentar podem ser muito úteis quando são usadas para ultrapassar as limitações que o Estado de direito – ou as insuficiências do sistema judicial – criam na investigação do crime organizado e da corrupção. Aquele tipo de crime que dispõe de protecção política a nível elevado e cujos autores costumam ver os seus processos arquivados ou acabam absolvidos.

Vejamos a este respeito a experiências das comissões de investigação do congresso norte-americano. Recordemos que o inquérito parlamentar ao caso BPN quase que funcionou dessa forma.

Certas figuras públicas, pelo seu inexplicável enriquecimento ou por outros motivos são delinquentes notórios: por meio da intimidação ou corrupção do sistema judicial, graças à qualidade dos seus advogados ou pela habilidade com que ocultam as provas, escapam persistentemente à condenação. Começa uma investigação do Congresso perante a qual são intimados a depor.

Se a comissão de acompanhamento da corrupção quiser obter um mínimo de reconhecimento da opinião pública terá que adoptar essas práticas: toda a gente sabe em Portugal o nome de políticos que por motivos não esclarecidos conseguiram conjugar uma actividade política muito intensa com um rápido enriquecimento. A tal questão do enriquecimento provavelmente ilícito.

Seria muito interessante dar-lhes uma oportunidade para explicar como o conseguiram. Como é que eles e a sua família conseguiram acumular tão vastos patrimónios. Não se trata de conseguir a sua condenação até porque muitos dos crimes já estarão prescritos. Trata-se de saber por que motivo não foi possível a sua condenação. Os seus silêncios ou as suas explicações poderão ser muito esclarecedores.

Se assim não for, se a comissão seguir o roteiro do Dr. Vera Jardim, com a sua prodigiosa falta de imaginação, vai confirmar tudo o que na rua se ouve dizer sobre ela: que é uma farsa, que os políticos são todos iguais e as outras frases em que se exprime a apatia e a resignação que grassam por aí. O Eng. João Cravinho poderá explicar à comissão como, em sua opinião, se deveria actuar. Fá-lo-á certamente com o brilho e a competência habituais. Mas nada vai adiantar.

A comissão deveria proceder a uma verdadeira investigação assumindo-se como comissão de inquérito e ousar incomodar algumas pessoas. Mesmo que isso provocasse arrepios nalguns dos seus mais conhecidos membros por motivos que eles bem conhecem.

Na comissão de inquérito ao BPN a maioria PS parou a investigação quando esta começava a ser mais interessante. Quando a blindagem criada pelo Dr. Vítor Constâncio (o sacrossanto segredo bancário dá para tudo) começava a rebentar pouco a pouco. Conseguiu mesmo assim despertar o interesse público e reabilitar parcialmente a desgastada imagem das comissões parlamentares.

Esta, se seguir a agenda que foi previamente anunciada, vai restabelecer plenamente o seu descrédito.

«Expresso» de 16 Jan 10 – www.saldanhasanches.pt

domingo, 3 de janeiro de 2010

Os Abutres do FMI

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Por J.L. Saldanha Sanches

O FMI É COMO OS ABUTRES: começa a voar em círculos à volta da presa quando acha que ela vai precisar dos seus serviços.

Os primeiros sinais foram dados quando o Parlamento resolveu reduzir as receitas públicas. O FMI concluiu, e infelizmente concluiu bem, que a actual composição parlamentar não permite nenhuma política responsável e a situação é de descontrolo financeiro.

Para o Bloco e o PCP isto não cria qualquer problema: o FMI é óptimo para justificar o discurso patrioteiro. A lógica da actuação da direita (se tem alguma lógica) é menos clara.

Toda a gente sabe que, mais dia, menos dia, os nossos credores vão-se mostrar inquietos, a conta vai surgir e as hipóteses são duas: reduzir as despesas ou aumentar os impostos.

Aumentar mais os impostos será desastroso: há um limite para a carga fiscal – um limite político – que já foi largamente atingido. As pessoas, as empresas e os consumidores não podem pagar mais.

A solução seria reduzir a despesa pública: mas qual despesa pública?

O serviço nacional de saúde constitui um requisito elementar de civilização. A segurança social já teve as reformas que deveria ter. Com a segurança vai ser preciso gastar mais ou pelo menos melhor.

O alvo das reduções deveria ser outro: não se pode continuar a despejar dinheiro para cima das regiões ou das autarquias e o pagamento dos submarinos não pode conduzir a um aumento das despesas militares que deveriam ser congeladas; por mais que isso irrite os senhores sargentos.

Quanto às regiões, uma coisa é garantir a todos os portugueses, vivam onde viverem, os mínimos exigidos pela dignidade humana. Outra é engordar as insaciáveis máquinas partidárias acampadas à volta das autarquias e das regiões.

As autarquias e as regiões são estruturas políticas dotadas de autonomia financeira e poderes tributários: o nível de despesa pública deve ser um decisão dos munícipes e ou dos habitantes das regiões e deve ser financiado pelos impostos aí cobrados.

Há um dever de solidariedade nacional dos portugueses com mais rendimentos para os portugueses mais desfavorecidos: mas não há qualquer dever de solidariedade entre regiões que se traduzem em transferências financeiras dos recursos obtidos juntos dos contribuintes com menos rendimentos (exemplo: receitas do IVA) para as máquinas partidárias e empresas de obras públicas das autarquias e regiões.

Sem redução de despesas, temos o aumento dos impostos que vai acentuar a transferência dos sectores produtivos para os improdutivos e consagrar o desperdício de recursos: o Governo Sócrates atingiu um tal estado de fraqueza que não pode recusar nada a quem ainda o apoia, incluindo às empresas do regime que insistem em construir estradas. Nesta perspectiva o Sócrates sem maioria, ainda mais refém de interesses especiais, é ainda mais nocivo do que o Sócrates com maioria.

A maioria na assembleia deveria travá-lo - mas isso não faz, bem pelo contrário.

O que significa que as medidas correctivas só serão tomadas pela pura pressão externa: do FMI, de Bruxelas, dos credores.

Com um problema: as medidas correctivas tomadas por imposição dos credores são sempre as piores.

«Expresso» de 24 Jan 09 – www.saldanhasanches.pt

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A Lição de Berlusconi

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Por J.L. Saldanha Sanches

A JUSTIÇA ITALIANA, tal como a portuguesa, funciona mal. Giulio Andreotti afinal não era um cúmplice da máfia nem mandou matar jornalistas e acabou por ser absolvido.

Berlusconi tem feito tudo o que pode para que ela funcione ainda pior. Entre nós o pacto PSD/PS também fez o que pôde. Berlusconi, quando alguns magistrados conseguem remover os obstáculos que a lei lhes coloca no caminho, declara que é um mártir e que os magistrados que o perseguem são comunistas.

Nesta pequena Itália vai sucedendo o mesmo: os heróicos paladinos da liberdade insurgem-se contra o Estado policial que surge no horizonte. Os magistrados têm motivações políticas. As escutas telefónicas são a forma moderna da tortura e por isso devem ser ainda mais limitadas.

Num certo sentido são uma tortura: para quem a actividade empresarial tem como componente essencial os subornos e as comissões o perigo, mesmo remoto, de ser escutado constitui um problema sério. Sem telemóvel é tudo desesperadamente lento e a economia paralela tem as suas exigências. Para mais as cifras de que se falou na operação ”face oculta” parecem mostrar que do lado da corrupção a oferta é cada vez maior e as comissões estão mais magras.

Logo, acabar com a possibilidade de escutas nesta zona, mesmo judicialmente mandatadas, constitui uma questão central para este largo sector da economia portuguesa.

Percebe-se por isso os clamores de alguns colunistas empenhados na defesa preventiva dos seus clientes para impedir processos e acusações.

As disfunções do modelo actual do modelo actual do Ministério Público e as mudanças destinadas a tornar o Código do Processo Penal um empecilho ainda maior à investigação tornam a detecção improvável, mas não impossível. A probabilidade de uma qualquer acusação acabar com uma condenação em tempo útil é muito remota, mas ser arguido envolve sempre algum incómodo.

Em Portugal como na Itália, nos crimes de colarinho banco, sem cadáver nem flagrante delito, qualquer advogado competente consegue prolongar o processo e às vezes nem isso é necessário: o processo encalha em qualquer parte.

Na Itália Berlusconi, mesmo depois do seu revês no Tribunal Constitucional, encontrou a fórmula mágica para impedir a acusação dos crimes de colarinho branco: a lei do processo rápido, que diminui os prazos de prescrição e torna virtualmente impossível que estes processos acabem.

Cá, devem estar a pensar no mesmo.

Se a justiça continua as perseguir quem não deve, então um prazo curto de prescrição constitui a fórmula mágica: o nosso processo penal já garante que um caso como o de Madoff (já com condenação definitiva e a cumprir pena) seja impossível.

Justiça rápida em crimes económicos, no nosso ordenamento jurídico, é uma graça de mau gosto. Tal como na Itália.

Prazos de prescrição mais rápidos, na próxima reforma do Código do Processo Penal, podem ser a solução definitiva seguindo a lição de Berlusconi.

Seria inteiramente inconsequente que copiassem o discurso, sem copiarem as soluções.

Adenda: a situação no continente atingiu pontos tais que Jardim mostra o seu nojo e o seu desinteresse. Desde que continue a receber a sua mesada.

«Expresso» de 28 Nov 09 / www.saldanhasanches.pt

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Jangada dos Tolos

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J.L. Saldanha Sanches

O AUTOR LAUREADO (AL): Sr. Dr., cheguei a uma época da minha vida em que finalmente o meu labor incansável foi compensado. Vendo bastante por toda a parte e pagam-me bem. Mas aqueles ladrões do fisco ficam-me com tudo. O que me aconselha?

O Consultor Fiscal (CF): Que quer meu caro Mestre, isto é o país da inveja. Em vez de premiar o mérito, tributa-se. Mas talvez tenhamos algumas soluções. Qual a origem dos seus rendimentos?

AL: Uns são de cá, mas outros são do resto do mundo.

CF: Óptimo. Está disposto a mudar de país?

AL: Claro, estou farto desta piolheira. Este país não me merece.

CF: O que me diz de Londres, meu caro Mestre? Nem precisa de mudar a nacionalidade, basta residir lá. Tem uma vida cultural muito intensa: museus, música, teatro.

AL: Ora, ora… arte burguesa e decadente. Literatura e teatro que não estejam ao serviço da transformação social não me interessam nada.

CF: Claro, claro, meu caro Mestre. Esquecia-me que está de alma e coração com os explorados deste mundo. Como diz a canção: “De pé, famélicos da terra…”

AL: Não é canção, homem, é hino. Deixe lá isso. Em Londres as casas são caríssimas e está a ver-me a morar num bairro social com aquela gentinha? Outra solução.

CF (encavacado): Bermudas, Ilhas Caimão, Panamá?

AL: Detesto esses arrabaldes do imperialismo norte-americano. Um amigo da minha mulher falou-me das Canárias: diz que dá para uns arranjos fiscais muito interessantes. E está na União Europeia, essa coisa.

CF: Não conheço. Mas vou ligar para o nosso escritório em Madrid.

(Uns minutos depois)

CF: Já sei. Está tudo na net. É o Regime Económico Fiscal das Canárias, autorizado por Bruxelas por ser uma zona ultra-periférica. Como a Madeira, mas em bom…

AL: Madeira?! Eu não quero nada com a Madeira… Sempre ouvi dizer que aquilo era uma completa pouca vergonha.

CF: Não, não, é outra coisa. Até podemos sustentar que não é bem um paraíso fiscal. Mas se obtiver rendimentos e os reinvestir, ou fizer uma reserva, pode ter uma vantagem até 90%. Isso é que interessa!

AL: Reinvestir?! Então tenho que ser empresário? Homem, poupe-me. Eu não posso com essa gente. Não sou nenhum explorador do povo.

CF: Reinvestir é um modo de dizer. Tudo se arranja. Compra títulos de dívida pública das Canárias, com juros, ou certo tipo de activos e está reinvestido. Para os rendimentos vindos de fora, se conseguirmos que sejam tratados como royalties, a taxa é muito baixa.

AL: E isso não é ilegal? E não dará má-língua, falatório? Sabe, a minha imagem…

CF: Perfeitamente legal. E só nós, consultores fiscais, é que sabemos disto e não temos o hábito de falar de coisas que possam prejudicar os nossos clientes.

AL: E quanto aos rendimentos que vêm de Portugal? Como é que posso escapar?

CF: Mestre, os direitos de autor já pagam tão pouco… Mas faça uma fundação. Para a defesa do ambiente, ajuda aos mais pobres, essas coisas. Assim sempre tem um escritório em Lisboa. Dá sempre jeito.

AL: Boa ideia! E ainda hei-de conseguir que um político qualquer me dê uma sede. Até tenho uma debaixo de olho. Eu sei muito bem como se lida com essa gente…

«Expresso» de 31 de Outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O Cartel Municipal

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Por JL Saldanha Sanches

SÃO 16 AS AUTARQUIAS que já optaram por reduzir em 5% o IRS em favor dos residentes no seu concelho: uma possibilidade atribuída aos municípios da qual o presidente do grémio municipal discorda.

Segundo o Sr. Fernando Ruas, um homem de ideias originais e profundas, o que o Estado deveria fazer era dar mais dinheiro aos municípios.

O sentido principal desta medida, contida na última versão da Lei das Finanças Locais, em que o município renuncia a uma parte do que iria receber da partilha das receitas gerais do Estado reduzindo a carga fiscal do seu residente é que os municípios deverão fazer mais e melhor com menos recursos.

Para a maior parte deles, esta ideia de eficiência administrativa e de combate ao desperdício é deplorável: o que é preciso é que o Estado lhes dê mais dinheiro, mesmo que para isso tenha de aumentar os impostos. Mas não os impostos municipais para que os contribuintes não sintam que o fausto autárquico é pago por eles.

O Município deve construir rotundas ornamentadas com mostrengos (obras de arte segundo o esclarecido gosto dos Senhores Presidentes), pavilhões multi-usos sem uso nenhum, subsidiar clubes de futebol e criar empresas públicas municipais para dar emprego aos familiares e clientes.

Se os munícipes acham que isso é pago com o dinheiro “que vem do Estado” nem lhes parece mal. O Presidente tem obra. Se percebesse que era ele, o contribuinte municipal, quem pagava. talvez não gostasse.

Percebe-se. por isso. a aversão à possibilidade de renúncia à redistribuição do IRS. Os autarcas que o fazem recebem chamadas cheias de censuras de colegas de vários partidos. O Presidente do cartel, que tentou a todo o custo que o Tribunal Constitucional matasse o projecto logo à nascença, apela à união sagrada contra os contribuintes.

Nem daquelas velhíssimas lamúrias sobre o interior desertificado (os portugueses deveriam ser proibidos de se deslocar) se esqueceu.

Os municípios conservam aquela mentalidade típica de fidalgos arruinados: por maior que se já a penúria não se deve ligar ao dinheiro e a outras coisas mesquinhas.

Num debate sobre a câmara de Lisboa Santana Lopes ilustrava brilhantemente o tipo autarca-com-obra-e-muitas-dívidas quando sustentava que a grande vantagem de António Costa era (segundo dizia) poder contrair empréstimos. Não lhe passava pela cabecinha que os empréstimos têm que ser pagos.

Nem que as despesas municipais, mesmo em obras tão úteis como piscinas. são, pela natureza das coisas, investimentos pouco reprodutivos (do ponto de vista estritamente económico). Não falamos já das obras inteiramente inúteis para todos excepto para os empreiteiros com boas ligações com a Praça do Município.

As despesas – e as decisões – municipais são a condição para podermos viver em cidades ou vilas que sejam espaços agradáveis. Para conservar a história e a memória das cidades.

São a condição da conservação dos residentes e da atracção de turistas. Mas têm de ser pagas e devem ser pagas por quem beneficia delas e pode julgar a acção dos seus autarcas.

«Expresso» de 10 de Outubro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O (mau) capitalismo português

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J.L. Saldanha Sanches

O PS, O PSD E O CDS são os partidos do poder: os que estão comprometidos com as derrapagens das obras públicas e falcatruas avulsas que se arrastam pelos tribunais. Ao Bloco de Esquerda cabe denunciar estes desmandos.

Não é difícil. Francisco Louçã não tem que se esforçar muito para denunciar as tranquibérnias da república: basta servir de porta-voz ao Tribunal de Contas. Um ponto nodal, porque as derrapagens das obras são apenas a face mais obscenamente visível daquele feroz rent seeking perfeitamente legal ou ilegalíssimo que caracteriza o capitalismo português e que tem conduzido a crescimentos do produto à volta de 1% (apesar das transferências comunitárias).

Um mau capitalismo, em suma, para usar a distinção de Baumol entre os bons e os maus capitalismos. O nosso é dos maus e não há fundos comunitários que lhe valham.

Os maus capitalismos geram os votos de protesto e nos casos extremos produzem os Chávez. Com aquela gente que frequentava o governo na Venezuela, com a sua lógica pré-capitalista do saque de fundos públicos como forma única, normal e possível de enriquecer não há petróleo que baste.

Há qualquer coisa que faz com que a economia de mercado deixe de funcionar quando se chega a estas paragens. Um caudilho militar está plenamente justificado e sempre serve de justificação para a sobrevivência de forças armadas.

A economia é que continua não crescer, a corrupção limita-se a tomar novas formas e os recursos continuam a ser desbaratados.

A Venezuela ilustra assim o círculo vicioso dos bloqueios institucionais: o mau capitalismo gera um enorme e legítimo protesto, mas como os partidos do poder são a expressão política desse mau capitalismo, o protesto acaba nos Chávez.

O Bloco não é Chávez, felizmente, e há décadas que em Portugal ninguém acredita que os militares possam salvar a pátria ou servir para qualquer coisa.

Mas para o Bloco o mau capitalismo é um pleonasmo: o capitalismo é tóxico e por isso a EDP deve ser renacionalizada para que com os seus lucros, os impostos possam ser reduzidos.

Noutros termos: o Bloco não quer ir para o poder e quer esconjurar qualquer tentação demoníaca.

O Bloco não pode ir para o poder porque nacionalizar a EDP com indemnização a preços de mercado era demasiado caro. Para a nacionalizar sem indemnização era necessário mudar a constituição (a la Chávez) e deixar a União Europeia: o Tribunal das Comunidades ia considerar uma nacionalização sem indemnização como um confisco contrário ao Direito Comunitário, num acórdão que não precisava de ter mais de duas ou três páginas.

A conclusão é que o Bloco é, quer continuar a ser, um puro voto de protesto para quem não se revê na ideologia arqueológica do PCP.

Um voto de protesto que sintetiza as escolhas impossíveis: de um lado o Freeport do outro o BPN.

Logo, a corrupção não pode ser discutida e por isso não entra no debate político. São outros os temas da campanha eleitoral.

Depois, espantem-se com a dimensão do voto de protesto.

«Expresso» de 19 de Setembro de 2009 - www.saldanhasanches.pt

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Fim do Segredo Bancário

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JL Saldanha Sanches

O SEGREDO BANCÁRIO” […]”desde sempre esteve institucionalmente presente na actividade deste sector económico, como factor e garantia do funcionamento eficiente do sistema”.

Estas doutas opiniões do nosso Tribunal Constitucional já tinham uma conotação cómica quando foram proferidas em 2007 pelo que revelavam de absoluto desconhecimento da matéria: são de um cómico irresistível hoje, quando o maior banco suíço cede às injunções de um juiz norte-americano para revelar à administração fiscal quem são os cidadãos americanos que lá têm contas e aumenta a lista dos paraísos que cedem as pressões da OCDE para se tornarem colaborantes.

Mesmo em 2007 já não tinha qualquer sentido que se dissesse, ao tratar da possibilidade de acesso da administração fiscal às contas bancárias, que o segredo bancário é um factor de funcionamento eficiente do sistema: um esforço mínimo de investigação iria revelar que nos sistemas mais eficientes – com excepção do suíço e bem sabemos porquê – convivem com o acesso permanente e regular do fisco sem qualquer intervenção de um juiz - às contas dos seus clientes. E que os paraísos fiscais são um problema sério para a supervisão bancária: recorde-se os off-shores do BCP como o melhor exemplo da ocultação de informação financeira e dos seus efeitos. Os accionistas deste banco que o digam.

Por isso, o conceito ‘segredo bancário’ – quando não se trata do dever de reserva do banqueiro perante terceiros sem qualquer interesse legítimo no acesso à informação bancária – está hoje de forma incidível ligado ao conceito paraíso fiscal.

Quando se aceita que alguns países ou territórios possam prosperar tornando-se coitos fiscais, defende-se o segredo bancário e o direito de não cooperação com as autoridades fiscais. Sempre na perspectiva da atracção de capitais interessados num secretismo que permite o incumprimento de obrigações fiscais.

Quando estas operações se tornam quase indefensáveis, aperta-se o cerco às fortalezas do crime e acaba-se com este tipo de segredo bancário.

A possibilidade de alargamento da base fiscal que estas medidas proporcionam não pode ser esquecida e deveria figurar nos programas eleitorais: deverá ou não haver uma amnistia para quem pretenda regularizar a sua situação fiscal declarando os rendimentos obtidos no exterior como está a suceder em alguns países? Se houver, em que condições?

É uma questão muito mais interessante – e com muito mais receita potencial – do que a constitucionalmente duvidosa limitação da dedutibilidade das despesas de saúde para as categorias de rendimento mais elevadas.

Exigirá a revisão de uma parte dos nossos acordos de dupla tributação em matéria de troca de informações tal como está a ser feito por outros países e a definição de uma política mais clara a este respeito: porque alguns dos nossos acordos ainda foram celebrados num período em que se considerava Portugal como uma espécie de paraíso fiscal hostil à troca de informações.

Apesar de, ao contrário dos paraísos autênticos, sempre termos tributados as contas dos não–residentes sublinhando a inconsequência deste projecto.

«Expresso» de 29 de Agosto de 2009 - www.saldanhasanches.pt

quarta-feira, 29 de julho de 2009

As Escolas do Crime


Por J.L. Saldanha Sanches

OS PARTIDOS QUE SÃO OS ESTEIO da democracia portuguesa – PS, PSD, PP - convivem sem dificuldades com práticas que dão origem a carreiras que desembocam no crime. São escolas do crime e devem ser considerados responsáveis pelos crimes praticados pelos seus altos dirigentes.

A tese é de Pacheco Pereira, numa das suas colunas habituais, e deveria ter provocado uma onda de manchetes e aberturas de telejornais. Ninguém ligou, ninguém se indignou, ninguém o ameaçou com um processo por difamação. As ditas escolas do crime mantiveram-se imperturbáveis. Como se estas afirmações fossem meras banalidades, mais ou menos consensuais que não vale a pena discutir, um típico assunto de Verão.

Já anteriormente Pacheco Pereira tinha proposto que a corrupção – um dos principais problemas do sistema político português - fosse um dos temas principais das próximas campanhas.

Deveria sê-lo. Estamos à espera do que a Dra. Manuela Ferreira Leite tem a dizer. A política que o actual governo seguiu a este respeito é uma daquelas que ela deveria rasgar em bocadinhos muito pequeninos, mas não vemos grande entusiasmo para esses lados. Nem sobre o Dr. Dias Loureiro conseguiu tomar uma posição que se percebesse.

Ora a produção em série de Dias Loureiros pelos partidos dominantes (ou o controlo dos Dias Loureiros sobre os partidos) é precisamente o tema de Pacheco Pereira.

As carreiras criminosas começam nas jotas: são o primeiro passo para os grandes negócios escuros, depois do tirocínio num lugar de assessor ou vereador numa Câmara ou nos outros lugares (empresas públicas municipais ou estaduais) que os partidos do poder consideram seus. Também se descreve com muita precisão como as ferozes lutas dentro dos partidos são uma luta por poder e por lugares e como isso envenena toda a gestão da coisa pública.

No PS ou no PSD ou, em menor escala, no CDS/PP. O resultado são os Freeports. Ou o BPN, onde de repente o saque se tornou quase sem limites com base num sentimento de impunidade que parecia inteiramente justificado. O debate sobre a corrupção é por isso o mais importante dos debates que podemos ter em Portugal.

Porque existe? Estará a crescer ou mostra uma tendência para a estabilidade? Até que ponto impede ou prejudica o crescimento da economia? Que medidas podem ser tomadas?

Que é importante, é.

Como se demonstra no relatório do Conselho de Prevenção da Corrupção, os maus hábitos instalaram-se na função pública. Não se trata dos funcionários serem honestos ou desonestos, trata-se da tolerância institucionalizada e generalizada da corrupção. Corrupção em cima com os grandes negócios, corrupção em baixo com as pequenas traficâncias.

Tudo isto tem uma importância decisiva para o modo como funcionam as empresas e a economia em Portugal. Ajuda a explicar o inexplicável.

O motivo pelo qual a chegada dos fundos estruturais e outras ajudas comunitárias não chegaram para qualquer crescimento da economia portuguesa. As razões da sua estagnação persistente que é anterior à crise actual.

O que não quer dizer que se consiga discutir seja o que for: os interesses instalados à volta da corrupção (e as suas agências de comunicação) não podem impedir que de vez em quando os clamores contra a corrupção encham os órgãos de comunicação. Mas mostram uma grande eficácia em transformar estas ondas de indignação em fogachos que duram pouco e em limitar o seu espaço na comunicação social.

O silêncio com que foram recebidas estas acusações de Pacheco Pereira é a melhor prova dessa eficácia.

«Expresso» de 25 de Julho de 2009 - www.saldanhasanches.pt

sábado, 11 de julho de 2009

O caso Tavares Moreira


Por J. L. Saldanha Sanches

O DR. TAVARES MOREIRA, ex-governador do Banco de Portugal, depois presidente de uma instituição bancária ligada às caixas de Crédito Agrícola, foi um dos primeiros banqueiros portugueses a encontrar-se a contas com a justiça.

Sujeito a um processo do Banco de Portugal (que desta vez actuou) viu a decisão do Banco ser confirmada pela primeira instância. Recorrendo para o Tribunal da Relação, este resolveu anular a decisão e mandar repetir o julgamento.

Hoje, segundo nos informa o interessado, o delito encontra-se prescrito. O dr. Tavares Moreira, segundo afirmou ao prestante "Público", pondera a possibilidade de processar o Banco de Portugal.

Uma das especificidades do nosso processo penal é que, além de existir, como por toda a parte, uma presunção de inocência antes da condenação em relação a crimes de colarinho branco, essa presunção é iniludível.

Se tudo correr de acordo com a intenção do legislador penal, se houver algum processo contra este tipo de actuação criminosa depois de alguma agitação, o processo será arquivado.

Se por acaso chegar à primeira instância, em princípio, o juiz terá dúvidas e o acusado absolvido. Se por acaso isso não acontecer, há sempre a possibilidade de recorrer para os tribunais superiores e conseguir que estes mandem repetir o julgamento.

Se mesmo assim se não tiver acabado com o processo, ainda há a possibilidade de ir para o Tribunal Constitucional.

Em suma, se não se obtiver uma absolvição ou um arquivamento pode sempre conseguir-se uma prescrição. Foi assim na Caixa Faialense, foi assim no presente caso.

No caso Tavares Moreira, como este afirma gravemente na sua entrevista, tudo se deveu a uma conspiração.

Pode mesmo aventar-se que tudo se deveu ao conhecido fundamentalismo do Banco de Portugal e à intransigência doentia com que se persegue em Portugal qualquer fumo de corrupção. No entanto, se não dermos isto como provado, surge uma questão desagradável.

Com esta regulação e com esta justiça (mesmo quando a regulação funciona, a justiça anula as suas decisões) como podemos ter actividade bancária em Portugal? A banca assenta numa relação fiduciária com os clientes. Na confiança (fiducia) do mercado: sem ela ou não funciona ou funciona com mais elevados custos de transacção.

A dureza da condenação de Madoff recorda-nos a importância que as economias de mercado dão a estas questões.

A comparação da velocidade dos dois sistemas (o deles e o nosso) deveria ser um motivo de contrição nacional.

Mas isso não vai acontecer:

Primeiro, porque ainda há alguns tolos que acham que o nosso sistema é óptimo e o mais importante é manter tudo. O nosso sistema é um exemplo para o mundo, o que é verdade.

Por exemplo a separação de carreiras entre juízes e ministério público faz parte do plano de Berlusconi para a reforma da justiça em Itália.

Depois, porque não se pode comparar a importância como factor de depressão nacional da verificação destes bloqueios que parecem intransponíveis com os que seriam provocados, por exemplo, pela eliminação da selecção nacional do próximo campeonato do mundo.

«Expresso» de 4 de Julho de 2009 - http://www.saldanhasanches.pt/

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O grau zero da política


Por J.L. Saldanha Sanches

A DISCUSSÃO sobre o bloco central tem esquecido o mais importante: o PS e o PSD só se coligarão se o país se encontrar de novo sob tutela, com um programa de reequilíbrio imposto de fora e em estado de necessidade financeira, tal como sucedeu no tempo de Mário Soares/Mota Pinto.
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A má vontade do PS e do PSD em relação a qualquer possível coligação explícita é uma característica central na nossa cena política. A acrimónia patológica da actual dirigente do PSD para com o primeiro-ministro pode ser doentia, mas tem raízes muito fortes no seu partido.

Contudo, como a própria já reconheceu para desmentir a seguir, naqueles avanços e recuos desastrados que marcam o seu estilo de actuação, essa aversão não impede nada.

Se a Europa sair da crise e Portugal continuar instalado na sua eterna crise com o défice externo sempre a subir, a dívida pública com problemas de refinanciamento e a necessitar de novas e mais radicais reduções da despesa pública, um governo minoritário não pode funcionar.
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O primeiro governo de Cavaco Silva tomou posse imediatamente a seguir ao bloco central ter suportado o odioso da redução do défice externo, dispôs de boas condições financeiras e durou pouco. Da sua existência nada se pode concluir.

O longo governo minoritário de Guterres só se pôde manter no poder com concessões a todos os interesses especiais, sem necessidade de decisões duras que em minoria nunca poderia ter tomado e só durou enquanto foi possível adiar estas decisões. O tal pântano que justificou a sua demissão era a apenas a necessidade de mudar de rumo sem que uma maioria qualquer o permitisse.

Governar em minoria negociando tudo e dando tudo a toda a gente, pressupõe um orçamento confortável com receitas fiscais a subir sem penhoras, nem aumentos de taxa. Na economia nunca se pode prever nada, mas será possível que isso se repita?

Além disso, o pior bloco central, com a sua merecida má reputação - o bloco central dos tráficos de influência e da corrupção – existe para além das coligações políticas e não depende delas. O bloco central governativo depende de uma não-existência da margem de decisão: uma solução única na política que é exigida pela existência de uma solução única na economia.
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As caras da solução podem ser várias: o bloco central não é um casamento, é uma convergência de políticas imposta pela situação de tutela exterior em que os desequilíbrios crónicos das balanças de pagamentos deixam um país: quando começam as negociações para financiamentos de emergência estas têm de ser feitas com uma maioria que possa pôr em prática as medidas desagradáveis que as acompanham.

Por isso o bloco central é o grau zero da política, acompanhado da descrença generalizada na coisa pública e na morte das ideologias: PS e PSD unem-se porque o eleitorado e o estado da economia não foi capaz de escolher e não lhes deixa outra alternativa. Os eleitores não escolhem porque não conseguem confiar em nenhum dos programas e, por isso, nem mesmo afastam o Governo em funções; a sua indecisão conduz a uma solução que lhes repugna e os afasta ainda mais da política.
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Nesse sentido o bloco central é a incapacidade de escolher e de decidir: a crise política a acompanhar a crise económica.
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«Expresso» de 23 de Maio de 2009- http://www.saldanhasanches.pt/

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O Caso Mesquita Machado (II)

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Por J.L. Saldanha Sanches
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O MINISTRO DAS FINANÇAS quer criar uma taxa especial de 60% contra os rendimentos não declarados nem declaráveis? Já há uma igual no IRC e, em princípio, nada impede que se seja criada uma outra no IRS.
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Mas quem a irá pagar?
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As leis fiscais são aplicadas por uma estrutura administrativa que está na dependência directa o Ministro das Finanças. Acreditamos que o Sr. Ministro quer aplicar a lei com a imparcialidade que a Constituição proclama e usar o dever de pagar impostos como uma arma contra a economia paralela e a corrupção.
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Contudo, a lei nem sequer é nova, a única novidade é a taxa agravada. Por isso, mesmo antes da sua entrada, tem quando ser demonstrado que há uma intenção séria de aplicar as normas que permitem a tributação quando se prova que o rendimento existe e que não foi devidamente declarado.
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O Senhor Ministro afirmou também, e com toda a razão, que basta olhar para os jornais (“nem imaginam o que se pode saber através da internet, revistas ou da imprensa”) para saber contra quem a Administração fiscal deveria actuar. Ora, há muito pouco tempo um jornal diário publicou os resultados de uma investigação ao Presidente da Câmara de Braga (depois de ter cessado o segredo de justiça) que mostrava o vasto património acumulado por este autarca e pela sua família.
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O Ministério Público arquivou-a. E a Administração fiscal o que fez?
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Por isso, Senhor Ministro das Finanças, se pretende que tomemos a sério a intenção de atacar a sério os acréscimos patrimoniais não justificados, deve-nos uma explicação.
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E o caso Mesquita Machado? Foi devidamente investigado e concluiu-se que tudo está bem?
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Bem sabemos que há o segredo fiscal. Mas o direito ao segredo fiscal é um direito disponível. O Sr. Mesquita Machado, que anunciou há pouco a sua recandidatura à Câmara Municipal de Braga, há-de estar interessado que tudo se esclareça e que o seu bom nome seja restabelecido.
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Se isto não for feito, e a taxa especial de 60% for criada, a quem é que vai ser aplicada? A suspeita de que os poderes discricionários da Administração irão conseguir que os destinatários da norma sejam apenas os inimigos do Governo vai ser confirmada. Ou que nem isso, que a nova norma seja apenas um faz de conta para tentar mostrar ao eleitorado que o Governo pretende combater a corrupção por meio do combate à fraude fiscal.
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O caso Mesquita Machado transformou-se assim num teste à seriedade das intenções do Governo: a investigação pelo Ministério Público, a detecção de um importante património, de depósitos bancários e de doações, mesmo sem a necessária colaboração da Administração fiscal exige uma clarificação.
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Adenda: a eliminação do segredo bancário para fins fiscais exige a adopção das melhores práticas. Controlo global (por meios informáticos) e não discricionário e atenção às entradas na conta (como propôs António Lobo Xavier) e não às saídas.
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A Administração fiscal não tem de saber como gasto o meu dinheiro, mas apenas como o adquiro.

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«Expresso» de 25 de Abril de 2009 - http://www.saldanhasanches.pt/

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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

As Estradas sem Automóveis

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Por J.L. Saldanha Sanches


HÁ SEMPRE BOAS RAZÕES para um fim-de-semana no interior: uma delas, agora, é observar in loco o estranho espectáculo das novas estradas, largas, bem construídas e vazias.
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Estradas sem carros, museus sem visitantes, a demonstração do peso dos grupos de pressão na decisão pública. Pode não haver carros, mas tem de haver obra. Formas pouco imaginativas de desbaratar recursos públicos.
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No centro, o nosso modelo de Estado.
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Por exemplo, serão mesmo precisos os parlamentos regionais? Não seria bastante a existência de um governo em cada uma das regiões? Não será um excesso de caciques para tão poucos índios? E as assembleias municipais? O país parava se elas fossem extintas? As vereações não chegam?
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E aquelas inspecções que nos Ministérios controlam os ministérios? Tirando a Inspecção-Geral de Finanças, que deveria ser muito importante, servirão para alguma coisa?

O plano de emagrecimento do Estado português a que temos assistido, além de insuficiente, lembra uma dieta em que alguém decide reduzir – de forma igualitária - 10% o peso de cada um dos seus órgãos.
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Para uma redução racional e efectiva da despesa pública – que ainda não aconteceu - a única hipótese é uma distinção implacável entre as despesas públicas que são indispensáveis e as que existem por tradição, por inércia, por imposição de poderosos grupos de pressão e interesses especiais e que são um peso que afunda a economia portuguesa.
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Supressões deste tipo só podem acontecer mediante pressão externa e vamos sentir essa. Serão a principal consequência do insustentável défice nas contas com o exterior que não nasceu com a crise e se vai agravar.
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Como há pouco recordava Silva Lopes, o euro não pode permitir que um dos seus membros abra falência: mas os auxílios externos são sempre condicionados. Condicionados à adopção de medidas que reduzam as despesas públicas e por isso a questão central é saber onde é que vai haver reduções.
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A sua origem longínqua é a dificuldade que temos revelado de conseguir flutuar no espaço europeu. Em Espanha, foi um modelo de crescimento insustentável, com um desequilíbrio externo excessivo, demasiadas casas e muito poucas exportações, que conduziu à derrocada. Em Portugal, a questão é outra: um enorme défice externo juntamente com uma absoluta incapacidade de conseguir um mínimo de crescimento.
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Em ambos os países, tem de haver mudanças radicais. Em Portugal, uma delas terá de ser uma redução efectiva das despesas públicas porque a carga fiscal não pode aumentar mais.
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Não basta congelar os aumentos da função pública. É o nosso modelo de Estado que está em causa; não o Estado social enquanto tal, mas o Estado político: aquela massa enorme de gente que à volta do sector público - Estado central, regiões, municípios - e com carta de corso partidária negoceia, trafica e rouba.
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Os poucos sectores dinâmicos e eficientes da economia portuguesa, mesmo se não tivessem sido atingidos pela crise, não podem suportar uma carga tão pesada.

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«Expresso» de 4 de Abril de 2009 - http://www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v.
aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados. A foto foi obtida [aqui]

quinta-feira, 19 de março de 2009

O Limite da Despesa

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Por JL Saldanha Sanches
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PAGAR A TEMPO E HORAS aos fornecedores do sector público – em vez do atraso de meses ou de anos – deveria ser a regra nas despesas públicas. A regra é o atraso. Agora o Estado está a pagar. O PSD exigia-o e muitas empresas não podiam suportar mais atrasos.
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Há um mas: esses pagamentos estão a demolir a única e perversa barreira que limitava a despesa pública. A disciplina financeira criada pelo desarranjo público.
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O atraso crónico dos pagamentos do Estado, municípios, regiões e actividades correlativas não é uma doença: era um sintoma e um limite. Tal como o desconforto físico limita os excessos, os atrasos no pagamento eram um sinal de alarme para o excesso da despesa sem previsão orçamental e o limite para essa mesma despesa. Já sabemos que o Estado paga sempre. Mas quando os atrasos se tornavam incomportáveis as empresas deixavam de fornecer.
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A política de pagar a tempo que o PSD reclamava e que o Governo acabou por adoptar está a acabar com esse limite: os municípios pedem um empréstimo especial para pagar as dívidas e pagam-nas. Libertos do fardo, voltam a gastar mais, a contrair novas dívidas e pedem outro empréstimo.
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Se olharmos para a conjuntura, é um mal menor. As dívidas do Estado podiam ser um golpe final em muitas empresas perto da ruína. Os pagamentos a milhares de fornecedores numa fase em que não há crédito são um estímulo de que economia bem precisa. O que não sabemos é de quanto vai ser a conta: quando ela chegar, porque acabará por chegar.
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Tal como não sabemos quando é que Bruxelas se vai voltar a preocupar com o défice público português e quando é que a banca internacional (o que dela resta) se vai voltar a preocupar com o défice da nossa balança de pagamentos. Não sabemos, nem podemos saber, porque se a nossa situação é muito má, a de outros países da EU é desesperada.
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Vista de Bruxelas as coisas parecem menos más e os vícios permanentes – o tal excesso de despesa da qual a dívida da administrativa é o sintoma – têm o ar de qualidades para os tempos de hoje. São uma espécie de estabilizadores automáticos dirigidos directamente às empresas em vez de passarem pela manutenção do rendimento disponível dos consumidores. Mas são uma zona incontrolável da despesa pública. À dívida do Estado central junta-se a dívida dos sectores periféricos mais a dívida oculta, mas presente, das empresas públicas nacionais e municipais.
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Os devoradores tradicionais dos orçamentos viram-se livres do estado de necessidade financeiro criado pelo esgotamento dos recursos e pelo aumento dos prazos de pagamento. O financiamento extraordinário do Estado permite pagar dívidas, mas as dívidas vão voltar a surgir porque o pagamento das antigas permite a contracção de novas.
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Em especial numa altura em que a única fonte de riqueza à vista é o Estado.
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Adenda: numa fase em que não crédito para ninguém, quem continua a desafiar a lei da gravidade financeira são os clubes de futebol. Os principais clubes, com o Benfica à frente, continuam a ter défices e a obter crédito para financiar os défices.

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«Expresso» de 14 de Março de 2009 -http://www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Caso Mesquita Machado

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Por J.L. Saldanha Sanches
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UMA LONGA INVESTIGAÇÃO (oito anos) aos inexplicáveis sinais exteriores de riqueza do presidente vitalício da Câmara Municipal de Braga e aos seus familiares e amigos teve o resultado habitual: arquivamento por falta de provas.
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Sem cadáver nem flagrante delito estes processos estão para lá das forças da nossa justiça: mas vamos admitir que não havia mesmo provas e o arquivamento foi a única solução possível. E as questões fiscais?
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O processo penal no Estado de Direito põe o dever de prova a cargo do Estado. O processo fiscal não.
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No processo fiscal, o sujeito passivo deverá convencer a Administração e o juiz (se o processo for para tribunal) que as suas casas ou os seus carros cabem dentro dos rendimentos declarados. A discussão sobre a inversão do ónus da prova no caso do enriquecimento de políticos é ociosa. Por meios fiscais pode obter-se quase o mesmo efeito.
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Se no processo se prova que um empresário conhecido pelos seus actos de benemerência chamado Domingos Névoa ofereceu 10.000 euros à filha do Sr. Mesquita Machado no casamento desta (lembrando-nos uma célebre cena de um filme de Coppola) pode não se provar que haja aqui qualquer crime ou motivação condenável.
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O Sr. Mesquita Machado é um corifeu da democracia socialista e o Sr. Domingos Névoa provavelmente partilha estes nobres ideais. É um sentimento que só o enobrece.
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Mas a nobreza de sentimentos não influencia as empedernidas qualificações fiscais. O fisco tem pêlos no coração. Não será esta desinteressada dádiva uma doação? Terá sido tributada em imposto do selo?
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O Sr. Mesquita Machado pode ter admiráveis qualidades de poupança que expliquem o património que tem acumulado. Mas terá esta poupança passado pelas declarações de IRS?
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Será possível que em Braga haja inúmeras penhoras de contas bancárias dos empresários que não entregaram o IRS e se comunique ao Ministério Público os abusos de confiança fiscal dos falidos que ficaram a dever o IVA e nada se faça em relação a estes casos? Que o Ministério Público investigue durante oito anos sem a colaboração da Inspecção Geral de Finanças ou da DGI?
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Quando um praça da GNR com um enorme património é levado a tribunal por extorsão a automobilistas, a pergunta que deve ser feita é saber por que motivo não detectou a DGI a distância entre património e rendimento num alvo tão fácil como um praça da GNR. Porquê? Como pode a Administração deixar escapar situações como estas?
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Já passou o tempo em que Administração era um corpo corroído pela corrupção, um corpo impotente e inerme. Hoje funciona, e se pode ser acusada de alguma coisa (em relação aos que cumprem) é de excessos.
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E em relação aos marginais sem declaração ou com declarações ridiculamente falseadas? Aos políticos que acumulam fortunas em ninguém perceber como?
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Seria bem mais importante reagir a tais situações (se isso não for incompatível com a política deste Governo) do que redistribuir, por meio de um novo regime de deduções no IRS, uns magros tostões entre as várias camadas de contribuintes.
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Adenda: a Defesa e os serviços secretos portugueses estão sempre no limiar da farsa: aquela história dos livres-trânsitos para os espiões (para irem ao futebol? Para andarem de comboio?) demonstra que ao lado dos generais de opereta temos os espiões de livre-trânsito.
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«Expresso» de 21 de Fevereiro de 2009 http://www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v.
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Regresso do FMI

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Por J. L. Saldanha Sanches
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AS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE CRÉDITO são hoje aquilo que os homens sem rosto do FMI eram entre 76 e os anos 80: um receituário económico ultra-esquemático e raramente adequado, uma espécie de agiotas internacionais subservientes perante os erros dos poderosos e implacáveis para com os que estão em dificuldades.
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No entanto das duas vezes que interveio em Portugal o tosco diagnóstico do FMI e as medidas simplistas que nos obrigaram a aplicar resultaram. As mesmas medidas poderiam ter sido tomadas mais cedo, com menor intensidade e muito menores custos, mas não foram e tivemos que nos contentar com a consulta ambulante do FMI. À custa do aumento temporário do desemprego, da descida dos salários reais e da estagnação do produto, mas com resultados.
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Apenas porque o nosso sistema político não conseguiu tomar medidas mais adequadas e mais bem pensadas.
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As intervenções externas vêm quando a incapacidade de mudar de rumo e de adoptar políticas mais prudentes as torna indispensáveis. Nos acordos com o FMI eram as perturbações pós-25 de Abril. Agora os desequilíbrios têm a sua origem no aumento da despesa pública iniciada com Cavaco e o auge nos Governos Guterres. No falhanço estrondoso das políticas Barroso/Ferreira Leite para a redução do défice e da insuficiência das reformas – mais a crise internacional – do Governo Sócrates.
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A dificuldade de obter mais créditos para financiar a balança de pagamentos é a causa da intervenção: a família gastou demasiado e só resta a visita à casa de penhores e a ajuda amável e desinteressada do penhorista.
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Podemos consolarmo-nos a recordar o falhanço miserável da Standard & Poor’s na avaliação do risco da banca. Mas aquela gente do FMI ou dessas agências são apenas a face visível do mercado de capitais internacional a recordar que as dívidas têm que ser pagas e o consumo de bens e serviços do exterior tem que ser reduzido.
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Mesmo quando o escudo não pode ser desvalorizado porque já não existe: aquele corte brusco dos salários, dos lucros, dos juros e do valor de todos os activos expressos em escudos já não é possível, a cura vai ser mais lenta mas o endividamento não pode prosseguir.
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Contra nós e a nosso favor está o ambiente internacional: é muito mais difícil exportar na situação actual mas uma dívida elevada não é um problema muito original. É bom e mau para Portugal que haja situações ainda mais críticas e mais pigs (o I agora quer dizer Itália+Irlanda) do que se pensava. O Reino Unido não está muito longe. A Alemanha - o país sensato e aforrador - vai-se opor a qualquer solução que lhe pareça constituir o triunfo dos porcos mas precisa de mercados para exportar. A situação é má mas uma saída acabará por se desenhar. Tal como sucedeu nas crises do FMI.
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Adenda: se há coisa que não nos fazia falta é o nosso primeiro-ministro a braços com o Freeport. Em vez da satisfação perversa que costuma acompanhar estes casos o que vemos desta vez é um sentimento geral de depressão pela inoportunidade desta distracção.
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«Expresso» de 31 de Janeiro de 2009 - www.saldanhasanches.pt
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Do BPP ao BPN

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Por J. L. Saldanha Sanches
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O BPP ESTÁ EM DIFICULDADES tal como está o BPN. Talvez o BPP venha exigir, tal como o BPN, financiamentos por parte dos contribuintes. Num e noutro caso, o Estado deverá ajudar os depositantes, mas não os accionistas.
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As semelhanças param aqui.
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Ainda é muito cedo para falar e ninguém deve saber ainda qual a extensão do desastre mas tudo indica que o BPP foi a vítima portuguesa da onda de loucura e irresponsabilidade que varreu a banca mundial.
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Trata-se da nova banca com os novos produtos financeiros muito mais rentáveis que os tradicionais, os produtos estruturados e outras ilusões contabilísticas com a importação do que de mais avançado se ia encontrando por esse mundo fora.
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O Dr. João Rendeiro introduzia gloriosamente em Portugal aquilo que a que o Dr. António Borges chamava a maior invenção do século, pondo-a ao alcance dos seus clientes portugueses.
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Uma ilusória sofisticação financeira que acabou como se sabe. Provavelmente depois dos erros as irregularidades do costume quando tudo começa a correr a mal e se procura manter os ganhos com recurso a produtos ainda mais arriscados, com desrespeito da vontade expressa pelos clientes e violação de contratos.
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Tudo isto é grave e facto de ter acontecido por toda a parte não pode servir de desculpa. Não tem é nenhuma relação com o que passou no BPN.
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O facto de a crise BPN ter acontecido no meio de outras crises não se deve ao facto de o BPN – a julgar pelo que se vai vendo por aí – pertencer a onda da nova banca e dos novos produtos financeiros e de ter à sua frente gente embriagada pelos novos produtos e pelos novos investimentos.
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O contraste com o BPN não poderia ser maior. Aí não temos gestores embriagados com a nova economia. Temos um bando de gente boçal que compra protecção política para cometer crimes sórdidos sem grande disfarce e sustentados apenas pela impunidade garantida.
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Não vemos por lá gestores com excesso de MBA a transplantar para Lisboa uma pequena Wall Street. O que vemos no BPN é uma importante galeria de figuras políticas que ornamentam os seus relatórios e contas (está tudo na net) e dão cobertura às mais inacreditáveis traficâncias.
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A crise do BPN coincide com a crise financeira porque quando esta começa já ninguém investe mais e nesse ambiente as fraudes não podem sobreviver. Quando a maré baixa, o lodo fica a descoberto. Coincide com a do BPP mas é inteiramente diferente desta.
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A actuação dos auditores demonstra isso: no caso do BPP, os auditores têm as culpas genéricas que têm os reguladores norte-americanos ou britânicos que aceitam a contabilização de derivados cujo valor real ninguém conhece ou as empresas de rating que garantem a solidez financeira de empresas à beira da falência. Inocentes, não estão. Contudo, em períodos de loucura generalizada, mais vale discutir métodos do que tentar responsabilizar pessoas.
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No caso do BPN, os auditores fogem em pânico depois de denunciar o que se passa. No BPP os auditores fazem o mesmo que faziam os dos muitos bancos que só são salvos in extremis quando a revolução financeira acaba com um enorme estoiro.
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Com as regras actuais de supervisão bancária, com o recurso sistemático a off-shores e as suas inevitáveis de obscuridade tudo isto era inevitável.
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Só novas regras de supervisão e um regulador menos próximo dos regulados (é urgente uma regulação europeia) podem evitar a repetição.
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Já o BPN só pode comparar-se com o extraordinário caso Madoff: avisos foram ignorados e a SEC neutralizada mediante algumas cumplicidades devidamente obtidas.
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Em Portugal, se uma qualquer estrutura empresarial tiver suficiente protecção política, pode actuar com absoluta impunidade e cometer duradouramente ilícitos na praça pública sem suscitar qualquer reacção. Tudo depende da protecção política de que disponha.
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Fomo-nos acostumando a tudo e as estruturas que nos deveriam proteger são demasiado fracas, o discurso hiper-garantista continua a ter curso. É isso que explica os muitos BPN deste país.
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«Expresso» de 10 de Janeiro de 2009 – www. www.saldanhasanches.pt/
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NOTA (CMR): a imagem-dupla que em cima se afixa (e que já em tempos aqui foi divulgada) foi proposta por mim ao autor da crónica para ilustrar um certo tipo de 'supervisão' bem nosso conhecido. Como ele esteve de acordo, aqui fica, então.