segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Caso Mesquita Machado

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Por J.L. Saldanha Sanches
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UMA LONGA INVESTIGAÇÃO (oito anos) aos inexplicáveis sinais exteriores de riqueza do presidente vitalício da Câmara Municipal de Braga e aos seus familiares e amigos teve o resultado habitual: arquivamento por falta de provas.
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Sem cadáver nem flagrante delito estes processos estão para lá das forças da nossa justiça: mas vamos admitir que não havia mesmo provas e o arquivamento foi a única solução possível. E as questões fiscais?
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O processo penal no Estado de Direito põe o dever de prova a cargo do Estado. O processo fiscal não.
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No processo fiscal, o sujeito passivo deverá convencer a Administração e o juiz (se o processo for para tribunal) que as suas casas ou os seus carros cabem dentro dos rendimentos declarados. A discussão sobre a inversão do ónus da prova no caso do enriquecimento de políticos é ociosa. Por meios fiscais pode obter-se quase o mesmo efeito.
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Se no processo se prova que um empresário conhecido pelos seus actos de benemerência chamado Domingos Névoa ofereceu 10.000 euros à filha do Sr. Mesquita Machado no casamento desta (lembrando-nos uma célebre cena de um filme de Coppola) pode não se provar que haja aqui qualquer crime ou motivação condenável.
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O Sr. Mesquita Machado é um corifeu da democracia socialista e o Sr. Domingos Névoa provavelmente partilha estes nobres ideais. É um sentimento que só o enobrece.
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Mas a nobreza de sentimentos não influencia as empedernidas qualificações fiscais. O fisco tem pêlos no coração. Não será esta desinteressada dádiva uma doação? Terá sido tributada em imposto do selo?
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O Sr. Mesquita Machado pode ter admiráveis qualidades de poupança que expliquem o património que tem acumulado. Mas terá esta poupança passado pelas declarações de IRS?
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Será possível que em Braga haja inúmeras penhoras de contas bancárias dos empresários que não entregaram o IRS e se comunique ao Ministério Público os abusos de confiança fiscal dos falidos que ficaram a dever o IVA e nada se faça em relação a estes casos? Que o Ministério Público investigue durante oito anos sem a colaboração da Inspecção Geral de Finanças ou da DGI?
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Quando um praça da GNR com um enorme património é levado a tribunal por extorsão a automobilistas, a pergunta que deve ser feita é saber por que motivo não detectou a DGI a distância entre património e rendimento num alvo tão fácil como um praça da GNR. Porquê? Como pode a Administração deixar escapar situações como estas?
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Já passou o tempo em que Administração era um corpo corroído pela corrupção, um corpo impotente e inerme. Hoje funciona, e se pode ser acusada de alguma coisa (em relação aos que cumprem) é de excessos.
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E em relação aos marginais sem declaração ou com declarações ridiculamente falseadas? Aos políticos que acumulam fortunas em ninguém perceber como?
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Seria bem mais importante reagir a tais situações (se isso não for incompatível com a política deste Governo) do que redistribuir, por meio de um novo regime de deduções no IRS, uns magros tostões entre as várias camadas de contribuintes.
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Adenda: a Defesa e os serviços secretos portugueses estão sempre no limiar da farsa: aquela história dos livres-trânsitos para os espiões (para irem ao futebol? Para andarem de comboio?) demonstra que ao lado dos generais de opereta temos os espiões de livre-trânsito.
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«Expresso» de 21 de Fevereiro de 2009 http://www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v.
aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.