terça-feira, 13 de outubro de 2009

O Cartel Municipal

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Por JL Saldanha Sanches

SÃO 16 AS AUTARQUIAS que já optaram por reduzir em 5% o IRS em favor dos residentes no seu concelho: uma possibilidade atribuída aos municípios da qual o presidente do grémio municipal discorda.

Segundo o Sr. Fernando Ruas, um homem de ideias originais e profundas, o que o Estado deveria fazer era dar mais dinheiro aos municípios.

O sentido principal desta medida, contida na última versão da Lei das Finanças Locais, em que o município renuncia a uma parte do que iria receber da partilha das receitas gerais do Estado reduzindo a carga fiscal do seu residente é que os municípios deverão fazer mais e melhor com menos recursos.

Para a maior parte deles, esta ideia de eficiência administrativa e de combate ao desperdício é deplorável: o que é preciso é que o Estado lhes dê mais dinheiro, mesmo que para isso tenha de aumentar os impostos. Mas não os impostos municipais para que os contribuintes não sintam que o fausto autárquico é pago por eles.

O Município deve construir rotundas ornamentadas com mostrengos (obras de arte segundo o esclarecido gosto dos Senhores Presidentes), pavilhões multi-usos sem uso nenhum, subsidiar clubes de futebol e criar empresas públicas municipais para dar emprego aos familiares e clientes.

Se os munícipes acham que isso é pago com o dinheiro “que vem do Estado” nem lhes parece mal. O Presidente tem obra. Se percebesse que era ele, o contribuinte municipal, quem pagava. talvez não gostasse.

Percebe-se. por isso. a aversão à possibilidade de renúncia à redistribuição do IRS. Os autarcas que o fazem recebem chamadas cheias de censuras de colegas de vários partidos. O Presidente do cartel, que tentou a todo o custo que o Tribunal Constitucional matasse o projecto logo à nascença, apela à união sagrada contra os contribuintes.

Nem daquelas velhíssimas lamúrias sobre o interior desertificado (os portugueses deveriam ser proibidos de se deslocar) se esqueceu.

Os municípios conservam aquela mentalidade típica de fidalgos arruinados: por maior que se já a penúria não se deve ligar ao dinheiro e a outras coisas mesquinhas.

Num debate sobre a câmara de Lisboa Santana Lopes ilustrava brilhantemente o tipo autarca-com-obra-e-muitas-dívidas quando sustentava que a grande vantagem de António Costa era (segundo dizia) poder contrair empréstimos. Não lhe passava pela cabecinha que os empréstimos têm que ser pagos.

Nem que as despesas municipais, mesmo em obras tão úteis como piscinas. são, pela natureza das coisas, investimentos pouco reprodutivos (do ponto de vista estritamente económico). Não falamos já das obras inteiramente inúteis para todos excepto para os empreiteiros com boas ligações com a Praça do Município.

As despesas – e as decisões – municipais são a condição para podermos viver em cidades ou vilas que sejam espaços agradáveis. Para conservar a história e a memória das cidades.

São a condição da conservação dos residentes e da atracção de turistas. Mas têm de ser pagas e devem ser pagas por quem beneficia delas e pode julgar a acção dos seus autarcas.

«Expresso» de 10 de Outubro de 2009