quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Agenda da Comissão

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Por J.L. Saldanha Sanches

A COMISSÃO PARLAMENTAR sobre o acompanhamento da corrupção vai começar as suas audições sobre a corrupção começando pelos órgãos institucionais e passando para os órgãos operacionais.

Resultado provável: zero.

As comissões de inquérito parlamentar podem ser muito úteis quando são usadas para ultrapassar as limitações que o Estado de direito – ou as insuficiências do sistema judicial – criam na investigação do crime organizado e da corrupção. Aquele tipo de crime que dispõe de protecção política a nível elevado e cujos autores costumam ver os seus processos arquivados ou acabam absolvidos.

Vejamos a este respeito a experiências das comissões de investigação do congresso norte-americano. Recordemos que o inquérito parlamentar ao caso BPN quase que funcionou dessa forma.

Certas figuras públicas, pelo seu inexplicável enriquecimento ou por outros motivos são delinquentes notórios: por meio da intimidação ou corrupção do sistema judicial, graças à qualidade dos seus advogados ou pela habilidade com que ocultam as provas, escapam persistentemente à condenação. Começa uma investigação do Congresso perante a qual são intimados a depor.

Se a comissão de acompanhamento da corrupção quiser obter um mínimo de reconhecimento da opinião pública terá que adoptar essas práticas: toda a gente sabe em Portugal o nome de políticos que por motivos não esclarecidos conseguiram conjugar uma actividade política muito intensa com um rápido enriquecimento. A tal questão do enriquecimento provavelmente ilícito.

Seria muito interessante dar-lhes uma oportunidade para explicar como o conseguiram. Como é que eles e a sua família conseguiram acumular tão vastos patrimónios. Não se trata de conseguir a sua condenação até porque muitos dos crimes já estarão prescritos. Trata-se de saber por que motivo não foi possível a sua condenação. Os seus silêncios ou as suas explicações poderão ser muito esclarecedores.

Se assim não for, se a comissão seguir o roteiro do Dr. Vera Jardim, com a sua prodigiosa falta de imaginação, vai confirmar tudo o que na rua se ouve dizer sobre ela: que é uma farsa, que os políticos são todos iguais e as outras frases em que se exprime a apatia e a resignação que grassam por aí. O Eng. João Cravinho poderá explicar à comissão como, em sua opinião, se deveria actuar. Fá-lo-á certamente com o brilho e a competência habituais. Mas nada vai adiantar.

A comissão deveria proceder a uma verdadeira investigação assumindo-se como comissão de inquérito e ousar incomodar algumas pessoas. Mesmo que isso provocasse arrepios nalguns dos seus mais conhecidos membros por motivos que eles bem conhecem.

Na comissão de inquérito ao BPN a maioria PS parou a investigação quando esta começava a ser mais interessante. Quando a blindagem criada pelo Dr. Vítor Constâncio (o sacrossanto segredo bancário dá para tudo) começava a rebentar pouco a pouco. Conseguiu mesmo assim despertar o interesse público e reabilitar parcialmente a desgastada imagem das comissões parlamentares.

Esta, se seguir a agenda que foi previamente anunciada, vai restabelecer plenamente o seu descrédito.

«Expresso» de 16 Jan 10 – www.saldanhasanches.pt