segunda-feira, 6 de abril de 2009

As Estradas sem Automóveis

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Por J.L. Saldanha Sanches


HÁ SEMPRE BOAS RAZÕES para um fim-de-semana no interior: uma delas, agora, é observar in loco o estranho espectáculo das novas estradas, largas, bem construídas e vazias.
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Estradas sem carros, museus sem visitantes, a demonstração do peso dos grupos de pressão na decisão pública. Pode não haver carros, mas tem de haver obra. Formas pouco imaginativas de desbaratar recursos públicos.
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No centro, o nosso modelo de Estado.
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Por exemplo, serão mesmo precisos os parlamentos regionais? Não seria bastante a existência de um governo em cada uma das regiões? Não será um excesso de caciques para tão poucos índios? E as assembleias municipais? O país parava se elas fossem extintas? As vereações não chegam?
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E aquelas inspecções que nos Ministérios controlam os ministérios? Tirando a Inspecção-Geral de Finanças, que deveria ser muito importante, servirão para alguma coisa?

O plano de emagrecimento do Estado português a que temos assistido, além de insuficiente, lembra uma dieta em que alguém decide reduzir – de forma igualitária - 10% o peso de cada um dos seus órgãos.
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Para uma redução racional e efectiva da despesa pública – que ainda não aconteceu - a única hipótese é uma distinção implacável entre as despesas públicas que são indispensáveis e as que existem por tradição, por inércia, por imposição de poderosos grupos de pressão e interesses especiais e que são um peso que afunda a economia portuguesa.
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Supressões deste tipo só podem acontecer mediante pressão externa e vamos sentir essa. Serão a principal consequência do insustentável défice nas contas com o exterior que não nasceu com a crise e se vai agravar.
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Como há pouco recordava Silva Lopes, o euro não pode permitir que um dos seus membros abra falência: mas os auxílios externos são sempre condicionados. Condicionados à adopção de medidas que reduzam as despesas públicas e por isso a questão central é saber onde é que vai haver reduções.
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A sua origem longínqua é a dificuldade que temos revelado de conseguir flutuar no espaço europeu. Em Espanha, foi um modelo de crescimento insustentável, com um desequilíbrio externo excessivo, demasiadas casas e muito poucas exportações, que conduziu à derrocada. Em Portugal, a questão é outra: um enorme défice externo juntamente com uma absoluta incapacidade de conseguir um mínimo de crescimento.
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Em ambos os países, tem de haver mudanças radicais. Em Portugal, uma delas terá de ser uma redução efectiva das despesas públicas porque a carga fiscal não pode aumentar mais.
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Não basta congelar os aumentos da função pública. É o nosso modelo de Estado que está em causa; não o Estado social enquanto tal, mas o Estado político: aquela massa enorme de gente que à volta do sector público - Estado central, regiões, municípios - e com carta de corso partidária negoceia, trafica e rouba.
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Os poucos sectores dinâmicos e eficientes da economia portuguesa, mesmo se não tivessem sido atingidos pela crise, não podem suportar uma carga tão pesada.

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«Expresso» de 4 de Abril de 2009 - http://www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v.
aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados. A foto foi obtida [aqui]