terça-feira, 21 de setembro de 2010

Bingo!

.
Por Rui Tavares

LÁSTIMA É QUE, quando num dia futuro se fizer a história das presidenciais de 2011, vá passar despercebido o vigoroso momento de viragem que foi a passada sexta-feira. Efetivamente, foi nesse 10 de Setembro de 2010 que ocorreu a publicação de uma crónica de Vasco Pulido Valente em que este profetizava que “Alegre vai a caminho do desastre e não percebeu”.

Deveria até ser alcandorado a tradição eleitoral, no mesmo patamar das straw polls das aldeias do Maine nos EUA ou das previsões do polvo Paul na Alemanha, o impreterível facto de que em Portugal nunca nenhuma vitória eleitoral, — em verdade, nunca nenhum facto político —, se pôde dar sem que o Vasco Pulido Valente que todos conhecemos e amamos não lhe prognosticado a sua evidente impossibilidade. Manuel Alegre tem ainda muito caminho para percorrer; mas pode já respirar de alívio por saber que este primeiro escolho lhe foi removido.

Com infalível falibilidade, note-se, a previsão de Vasco Pulido Valente não vale só pela forma, mas também pelo conteúdo, a saber, que “o dr. Manuel Alegre condenou anteontem a decisão dos ministros das Finanças da União Europeia de impor um “visto prévio” ao Orçamento dos países-membros”. O problema não é ser isto incorreto — “formalmente, Manuel Alegre tem toda a razão” — mas que a “atitude de Alegre” o “torne assim, indiscutivelmente, o candidato do Bloco”.

Vale a pena perder algum tempo descendo a estes pormenores.

Para ser justo, é enfermidade crónica do comentarismo político (de que eu não juro que não padeça) pretender que os candidatos digam ou não digam isto ou aquilo por razões táticas — para se distanciarem ou não deste ou daquele partido, por exemplo. Às vezes estes conselhos ganham até a forma de suposta preocupação desinteressada pelo destino de um candidato, aquilo que em inglês ganhou o nome de “concern trolling”.

Mas isto é esquecer um singelo motivo pelo qual um candidato a Presidente deve dizer certas coisas: por ter “toda a razão”, formalmente ou não.

E no caso, Manuel Alegre tem toda a razão substancialmente também. O “visto prévio” de Bruxelas aos orçamentos nacionais é um problema de democracia essencial para o futuro de Portugal e da Europa. Um candidato que não tenha opinião sobre ele, e que não faça disso um tema de campanha, estará a menosprezar o eleitorado e a trair o cargo para que se candidata ainda antes de lá chegar.

A opinião de Manuel Alegre é diferente da posição oficial do governo e semelhante à posição do BE? Tanto pior, ou tanto melhor, como quiserem. Haverá na campanha muitas ocasiões para Alegre tomar posições próximas do PS e distantes das do BE. Para dizer a verdade, qual é o eleitor que se rala com isso? A única preocupação que devemos ter com Manuel Alegre, como com qualquer candidato, é que as suas posições sejam apenas idênticas — não às do partido X ou Y — mas às de Manuel Alegre ele-próprio. É por isso que temos eleições presidenciais uninominais. E a propósito: alguém se lembra de como Barack Obama “caminhava para o desastre” por ter sobre a Guerra do Iraque uma posição contrária à do seu partido? Pois é.

O que nós deveríamos estar a perguntar é: que pensa Cavaco Silva sobre o visto prévio de Bruxelas ao orçamento do seu país, que vai estar em cima da mesa precisamente ao tempo das eleições?
.
RuiTavares.Net