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Por Nuno Crato
NO ÁLBUM de Hergé “Explorando a Lua”, o jovem repórter Tintim surpreende-se quando desembarca no nosso satélite e vê um céu negro e uma multidão de pontos luminosos fixos. O céu aparecia-lhe muito diferente do que conhecia sobre a Terra. Não só o fundo estava mais escuro, como as estrelas não cintilavam. Assim acontece na Lua, como os astronautas que nela posteriormente estiveram confirmaram. Hergé sabia-o, apesar de na altura em que concebeu e desenhou a viagem de Tintim e dos seus companheiros, nenhum ser humano ter ainda pisado o nosso satélite. Sabia-o porque os físicos e os astrónomos conheciam bem os efeitos na atmosfera terrestre na visualização dos astros. Mesmo sem sair da Terra, era possível prever como seriam vistas as estrelas sobre a Lua.
Tudo isto pode parecer banal, mas sempre me maravilhou. Li as aventuras de Tintim antes e depois de o homem ter ido à Lua pela primeira vez, há 41 verões. E ainda hoje me surpreendo, ingenuamente, com a segurança com que se podia prever a visibilidade das estrelas na Lua, um mundo a 384 mil quilómetros de distância e em que nunca se tinha estado.
O tremeluzir das estrelas é produto da turbulência da atmosfera terrestre. A elevação do ar quente, as correntes atmosféricas, a contínua mistura de ar de diferentes densidades, tudo isso faz com que a luz não viaje exactamente em linha recta, mas mude ligeiramente de direcção antes de chegar até nós. A luz, que num momento nos chega de uma direcção determinada, passa, em fracções de segundo, a aparecer de uma direcção ligeiramente diferente.
O tremeluzir é muito intenso porque as estrelas estão tão longe de nós que o que nos chega é apenas um ponto de energia em oscilação permanente. Vistas através do telescópio, continuam a tremeluzir, mas não aumentam. Parecem mesmo diminuir, pois tem-se delas uma visão mais nítida. Este fenómeno espantou os primeiros que usaram telescópios. Quem ler o relato de Galileu publicado no seu “Sidereus Nuncius” (O Mensageiro das Estrelas) verifica a surpresa que o físico italiano teve quando viu que, no seu instrumento, as estrelas não só não apareciam maiores como se apresentavam despidas da sua “cabeleira” difusa. Sobre este e outros temas dessa obra magistral, vale a pena ler o magnífico estudo de Henrique Leitão que introduz a recente edição portuguesa da Gulbenkian.
Muito recentemente, físicos, astrónomos e engenheiros, percebendo a origem do cintilar das estrelas, conseguiram progressos extraordinários num novo estilo de instrumentos que usam aquilo que se designa como “óptica adaptativa”. A ideia, que tem já algumas dezenas de anos, consiste em deformar continuamente o espelho do telescópio de forma a compensar o ziguezague dos raios luminosos que nos chegam das estrelas. As dificuldades técnicas são tremendas, mas uma equipa da Universidade do Arizona conseguiu agora um sucesso extraordinário com um novo sistema óptico.
O novo instrumento, situado no monte Hopkins, perto de Tucson, envia para o espaço um raio laser contínuo e analisa-o através do próprio telescópio. Um computador recebe o sinal e calcula a deformação necessária ao espelho para corrigir a direcção do raio vista através do telescópio. Envia as necessárias instruções para um sistema de 336 electroímanes colocados atrás do espelho, que o deformam continuamente.
Os resultados são magníficos. As estrelas vêm-se tão nítidas como com um telescópio situado fora da Terra. Tintim já não precisaria de ir à Lua para ver as estrelas paradas.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 4 Set 10 (adaptado)
NO ÁLBUM de Hergé “Explorando a Lua”, o jovem repórter Tintim surpreende-se quando desembarca no nosso satélite e vê um céu negro e uma multidão de pontos luminosos fixos. O céu aparecia-lhe muito diferente do que conhecia sobre a Terra. Não só o fundo estava mais escuro, como as estrelas não cintilavam. Assim acontece na Lua, como os astronautas que nela posteriormente estiveram confirmaram. Hergé sabia-o, apesar de na altura em que concebeu e desenhou a viagem de Tintim e dos seus companheiros, nenhum ser humano ter ainda pisado o nosso satélite. Sabia-o porque os físicos e os astrónomos conheciam bem os efeitos na atmosfera terrestre na visualização dos astros. Mesmo sem sair da Terra, era possível prever como seriam vistas as estrelas sobre a Lua.
Tudo isto pode parecer banal, mas sempre me maravilhou. Li as aventuras de Tintim antes e depois de o homem ter ido à Lua pela primeira vez, há 41 verões. E ainda hoje me surpreendo, ingenuamente, com a segurança com que se podia prever a visibilidade das estrelas na Lua, um mundo a 384 mil quilómetros de distância e em que nunca se tinha estado.
O tremeluzir das estrelas é produto da turbulência da atmosfera terrestre. A elevação do ar quente, as correntes atmosféricas, a contínua mistura de ar de diferentes densidades, tudo isso faz com que a luz não viaje exactamente em linha recta, mas mude ligeiramente de direcção antes de chegar até nós. A luz, que num momento nos chega de uma direcção determinada, passa, em fracções de segundo, a aparecer de uma direcção ligeiramente diferente.
O tremeluzir é muito intenso porque as estrelas estão tão longe de nós que o que nos chega é apenas um ponto de energia em oscilação permanente. Vistas através do telescópio, continuam a tremeluzir, mas não aumentam. Parecem mesmo diminuir, pois tem-se delas uma visão mais nítida. Este fenómeno espantou os primeiros que usaram telescópios. Quem ler o relato de Galileu publicado no seu “Sidereus Nuncius” (O Mensageiro das Estrelas) verifica a surpresa que o físico italiano teve quando viu que, no seu instrumento, as estrelas não só não apareciam maiores como se apresentavam despidas da sua “cabeleira” difusa. Sobre este e outros temas dessa obra magistral, vale a pena ler o magnífico estudo de Henrique Leitão que introduz a recente edição portuguesa da Gulbenkian.
Muito recentemente, físicos, astrónomos e engenheiros, percebendo a origem do cintilar das estrelas, conseguiram progressos extraordinários num novo estilo de instrumentos que usam aquilo que se designa como “óptica adaptativa”. A ideia, que tem já algumas dezenas de anos, consiste em deformar continuamente o espelho do telescópio de forma a compensar o ziguezague dos raios luminosos que nos chegam das estrelas. As dificuldades técnicas são tremendas, mas uma equipa da Universidade do Arizona conseguiu agora um sucesso extraordinário com um novo sistema óptico.
O novo instrumento, situado no monte Hopkins, perto de Tucson, envia para o espaço um raio laser contínuo e analisa-o através do próprio telescópio. Um computador recebe o sinal e calcula a deformação necessária ao espelho para corrigir a direcção do raio vista através do telescópio. Envia as necessárias instruções para um sistema de 336 electroímanes colocados atrás do espelho, que o deformam continuamente.
Os resultados são magníficos. As estrelas vêm-se tão nítidas como com um telescópio situado fora da Terra. Tintim já não precisaria de ir à Lua para ver as estrelas paradas.
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