Por Rui Tavares
HÁ CINCO ANOS, mais ou menos, a política portuguesa estava assim. Mário Soares tinha apresentado a sua candidatura à Presidência da República, instado por José Sócrates entre outros, e entre outras razões porque havia sondagens (algumas delas publicadas, as outras confidenciais) que o davam como vencedor das eleições e, se não isso, pelo menos o único candidato capaz de interromper um passeio tranquilo de Cavaco Silva até Belém.
Ato contínuo, o PCP e o BE apresentaram os seus candidatos, os mais fortes que tinham, mas que de certa forma se anulavam mutuamente: os líderes. As candidaturas de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã foram o equivalente, em xadrez eleitoral, a uma troca de rainha por rainha. Um esforço de soma zero.
Qualquer destes três candidatos, de uma forma ou outra, se sacrificou pelo seu partido.
Entretanto, Manuel Alegre apresentou-se correndo por fora e acabou por ter o melhor resultado da esquerda. E Cavaco Silva foi eleito à primeira volta, sim, mas com a maioria mais reduzida de qualquer eleição presidencial da democracia. O passeio tranquilo esteve a pouco mais de meio ponto de se perder.
O que se passou? Para mim, erros de leitura de dois géneros, aliás já evidentes na altura.
O primeiro foi um erro na leitura das sondagens, especialmente visível no resultado de Mário Soares, muito pior do que o esperado.
O que uma leitura simplista das sondagens esquece é que quando colocadas perante hipóteses que consideram implausíveis, as pessoas permitem-se dar respostas igualmente implausíveis. Como ninguém acreditava que houvesse mesmo possibilidade de Soares querer ser de novo presidente, as pessoas tomavam a liberdade de dizer que era isso mesmo que prefeririam. (É o caso, quanto a mim, das sondagens em que um grande número de portugueses aparece dizendo que quer ser espanhol: a verdade é que ninguém considera que a hipótese esteja mesmo em cima da mesa.)
Mas os políticos que decidem com sondagens na mão, como era Sócrates na altura (e foi Guterres antes dele) cometem este erro crasso de acreditar mais no número do que em tentar interpretá-lo.
O segundo erro foi na leitura das próprias eleições presidenciais, que são eleições muito especiais onde se revela aquilo que eu considero (porventura isoladamente) um entranhado republicanismo dos portugueses, que afinal vivem numa República com cem anos, e uma das mais três mais antigas da Europa. Os portugueses não gostam de mais do que uma reeleição (Soares que o diga) tal como não gostam de dinastias políticas (João Soares que o diga) tal como não gostam de ver candidaturas “do partido” em eleições pessoais (o PCP e o BE que o digam).
Curiosamente, os analistas que aplaudiram a escolha de Francisco Lopes pelo Comité Central do PCP parecem ter esquecido esta lição de há cinco anos. O resultado pode ser pior o melhor, mas o que interessa é se a candidatura tem condições para ter relevância para lá de um quadro partidário. Caso não tenha, é uma candidatura para picar o ponto.
Estas eleições, contudo, não podem ser para picar o ponto. A crise económica e o impasse político fazem delas um momento essencial para definir o que vai ser o país na próxima década. Cavaco e Alegre têm mais diferenças entre si do que, por exemplo, Sócrates e Passos Coelho. Antes do debate entre eles começar, as sondagens de 2010 estão tão incompletas como as de há cinco anos.
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RuiTavares.net
HÁ CINCO ANOS, mais ou menos, a política portuguesa estava assim. Mário Soares tinha apresentado a sua candidatura à Presidência da República, instado por José Sócrates entre outros, e entre outras razões porque havia sondagens (algumas delas publicadas, as outras confidenciais) que o davam como vencedor das eleições e, se não isso, pelo menos o único candidato capaz de interromper um passeio tranquilo de Cavaco Silva até Belém.
Ato contínuo, o PCP e o BE apresentaram os seus candidatos, os mais fortes que tinham, mas que de certa forma se anulavam mutuamente: os líderes. As candidaturas de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã foram o equivalente, em xadrez eleitoral, a uma troca de rainha por rainha. Um esforço de soma zero.
Qualquer destes três candidatos, de uma forma ou outra, se sacrificou pelo seu partido.
Entretanto, Manuel Alegre apresentou-se correndo por fora e acabou por ter o melhor resultado da esquerda. E Cavaco Silva foi eleito à primeira volta, sim, mas com a maioria mais reduzida de qualquer eleição presidencial da democracia. O passeio tranquilo esteve a pouco mais de meio ponto de se perder.
O que se passou? Para mim, erros de leitura de dois géneros, aliás já evidentes na altura.
O primeiro foi um erro na leitura das sondagens, especialmente visível no resultado de Mário Soares, muito pior do que o esperado.
O que uma leitura simplista das sondagens esquece é que quando colocadas perante hipóteses que consideram implausíveis, as pessoas permitem-se dar respostas igualmente implausíveis. Como ninguém acreditava que houvesse mesmo possibilidade de Soares querer ser de novo presidente, as pessoas tomavam a liberdade de dizer que era isso mesmo que prefeririam. (É o caso, quanto a mim, das sondagens em que um grande número de portugueses aparece dizendo que quer ser espanhol: a verdade é que ninguém considera que a hipótese esteja mesmo em cima da mesa.)
Mas os políticos que decidem com sondagens na mão, como era Sócrates na altura (e foi Guterres antes dele) cometem este erro crasso de acreditar mais no número do que em tentar interpretá-lo.
O segundo erro foi na leitura das próprias eleições presidenciais, que são eleições muito especiais onde se revela aquilo que eu considero (porventura isoladamente) um entranhado republicanismo dos portugueses, que afinal vivem numa República com cem anos, e uma das mais três mais antigas da Europa. Os portugueses não gostam de mais do que uma reeleição (Soares que o diga) tal como não gostam de dinastias políticas (João Soares que o diga) tal como não gostam de ver candidaturas “do partido” em eleições pessoais (o PCP e o BE que o digam).
Curiosamente, os analistas que aplaudiram a escolha de Francisco Lopes pelo Comité Central do PCP parecem ter esquecido esta lição de há cinco anos. O resultado pode ser pior o melhor, mas o que interessa é se a candidatura tem condições para ter relevância para lá de um quadro partidário. Caso não tenha, é uma candidatura para picar o ponto.
Estas eleições, contudo, não podem ser para picar o ponto. A crise económica e o impasse político fazem delas um momento essencial para definir o que vai ser o país na próxima década. Cavaco e Alegre têm mais diferenças entre si do que, por exemplo, Sócrates e Passos Coelho. Antes do debate entre eles começar, as sondagens de 2010 estão tão incompletas como as de há cinco anos.
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