sexta-feira, 24 de setembro de 2010

… como a pescada

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Por Antunes Ferreira

O ORÇAMENTO PARA 2011 arrisca-se a copiar o ditado que diz que a pescada antes de o ser já o era, noutra versão, como o vestido que afina pelo mesmo diapasão. O tema tem tido uma sucessão de peripécias qual delas pior do que a outra. Pepineira similar, naturalmente com consequências muito menos graves, é o famigerado caso Queiroz. Entre um e o outro, venha o Diabo e escolha. Mas, no fim deste despautério, na hora da verdade, deverá sair aprovado o que se dizia que não seria. Daí a parecença com a pescada e com o vestido.

Toda a gente tem metido o bedelho no patético confronto PS/PSD, e curiosamente ainda nem sequer é conhecido o documento que será apresentado no hemiciclo de São Bento. Estamos perante mais uma originalidade à portuguesa, que faria os cidadãos rirem-se a bandeiras despregadas, não fora o caso de poderem vir a estar confrontados com uma situação muito mais difícil do que a actual, o que não é, de todo, impossível.

As relações entre o Governo e o maior partido da Oposição foram marcadas por compasso musical – e continuam a sê-lo. Corrijo: talvez seja melhor utilizar ralações. Ainda há escassos meses, Sócrates e Passos Coelho davam os primeiros passos de um tango que o Gardel não enjeitaria. Ainda que a afinação fosse muito fraca, na vida tudo se aprende e evolui concomitantemente. Sendo necessário, um curso rápido mas intensivo nos Alunos de Apolo ajudaria imenso.

Porém, os filhos das pautas foram o que se tem vindo a ver. São eles os resultados confrangedores, a desafinação, a chinfrineira desaustinada, as contradanças, as notas falsas desde o dó ao si, em resumo, a asneira musical. E política. Poder-se-á até acentuar que neste momento o desgraçado do País assiste a um vira total e a um malhão que ninguém sabe até onde pode malhar. E, recordo, ainda bateram no ministro Santos Silva pela utilização do termo. Agora, há que o louvar, pela antevisão.

Bem pode o dito maestro convocar os intérpretes para o coreto de Belém. Falta-lhe a batuta para acertar os acordos, perdão, os acordes. Pelos vistos, ninguém quer acordar do pesadelo em que esta questão se transformou. A sintonia é des; a pretensa sinfonia orçamental está pelas cordas; e a orquestra é da outra banda.

Alvitra-se, numa verdadeira aberração, que venha de Washington quem seja capaz de acalmar esta ópera buffa, que nem opereta é, de tão desirmanada. Muitos, felizmente, não querem tal visita, sobretudo os que já foram brindados por ela. Mas, bem vistas as coisas, será mesmo que não somos capazes de tocar sozinhos alguma coisa que se oiça? Infelizmente, temo bem que sim.
Mas, como a esperança é a última coisa a morrer, talvez os deuses do Olimpo Polifónico nos cubram… de bênçãos.