Por Antunes Ferreira
HÁ SESSENTA e poucos anos, era uso (e era também abuso), a referência jocosa aos mentirologistas. Andava pelos meus oito/nove anos, ou seja 1949/1950, e por esta altura do ano aguardava ansiosamente a chegada do dia 20 para me regalar com as prendas do aniversário. Abro uma parentética para vos comunicar, portanto, que na segunda-feira já me podem enviar os presentes que bem entenderem. Mercedes com puxadores em platina ou BMWs com grelha em ouro com diamantes de bons carates incrustados serão bem acolhidos.
Era o tempo em que as estações do ano, ao contrário das dos comboios, eram certinhas, respeitavam o calendário, sentiam-se como pessoas de bem. Nada das trocas e baldrocas que agora brotam como cogumelos. As temperaturas situavam-se no plano da modéstia que então se defendia, não havia grandes caloraças, nem frios polares. Também no astro vigorava o aforismo latino in medio start virtus, que o mesmo é dizer no meio está a virtude.
É certo que ocorriam as cheias do Tejo, a estrada nacional Lisboa Porto ficava intransitável nas baixas de Santarém, as trovoadas decorriam com toda a normalidade em Portalegre, nas abas da Serra de São Mamede, de acordo com as Notas à Imprensa do SNI, o País estava calmo, a paz reinava, enquanto houvesse um Português sem pão, a Revolução continuaria. Santa época, santas gentes, Santo António.
O milagreiro dos amores e das bilhas, por estranho que pareça, afinal eram dois. Singular situação, que podia sintetizar-se em verso de pé quebrado oriundo de mente maldosa, insultuosa e impenitente. Veja-se só:
Dos dois Antónios
de que Lisboa desfruta,
um é filho da Sé
e o outro… também é.
De resto, é preciso que se diga que a felicidade que inundava os corações lusitanos era fruto da simplicidade, da ternura, da alegria de cada dia, tal como o pão-nosso. E facílima de alcançar. A Casa Portuguesa, que se tornaria o must da canção nacional, afirmava, sem motivos para dúvidas ou reparos que…
… Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.
Etc.
O Serviço Meteorológico Nacional, no meio de toda esta serenidade, desta bem-aventurança, desta simplicidade, era, porém, matéria para muitas dúvidas. As rádios avisavam de acordo com o SMN que no dia seguinte, já se estava em pleno Outono, os cidadãos deveriam sair à rua com os respectivos guarda-chuvas e, muitíssimas vezes, apanhavam com um sol para mangas de camisa e óculos escuros, pelo menos. Ou vice-versa, sendo que este último era muito mais mal recebido. Ingratos, sempre os houve.
A plebe não ia muito à bola com estes lapsos. Onde estava, então, o tão propagandeado rigor científico? Tinha-se instalado, ainda que a contragosto de São Bento, alguma desconfiança que ameaçava generalizar-se e transbordar. E não se tratava da gota de água que dava cabo do equilíbrio do copo; eram muitas as gotas das chuvadas que os meteorologistas não tinham previsto, muito antes pelo contrário.
Donde, o aparecimento da Serviço Mentirológico Nacional e dos mentirologistas. As condições de trabalho eram outras, bem diferentes das que hoje existem, bem como os meios utilizados para as previsões. Se alguém, nessa altura, pusesse a hipótese de satélites, seria a galhofa geral, e apontado a Rilhafoles, depois do gesto do dedo indicador em circular na fronte. Logo, os erros que ocorriam eram motivados, principalmente, pela carência logística e instrumental.
Corria a graçola que dizia que de manhã, chegados ao SMN, os mentirologistas abriam as janelas, deitavam um dedo de fora e se ele voltasse para dentro, molhado, podia-se prever aguaceiros; se o punho da camisa também molhada tivesse ficado era chuva grossa; se a mão abanasse era o vento em rajadas moderadas; se o braço quase voasse era uma ventania dos diabos; se o edifício abanasse ainda que mansamente, aos abrigos, era terramoto. Os Lusitanos de cepa sempre tinham sido especialistas nas anedotas, piadas, chuchadeiras e afins.
Hoje, o caso é muito diferente. O Instituto de Meteorologia, I.P. vai quotidianamente às televisões com infografias animadas, as nuvens a correr, as gotas a pingar, o sol a resplandecer electronicamente sofisticados. E outras modernices. A Internet vai a todas e não há blogue que se safe que não tenha, no mínimo, as temperaturas do dia seguinte e dos outros. As previsões a longo prazo são triviais. Não se sai de sombrinha e galochas, sai-se de telemóvel.
A Meteorologia e a Geofísica subiram a escada da glória - previsível. Restabelecida a confiança dos homens, desapareceu a sensação de aventura desses velhos tempos, aliás não tão idosos como tal, passaram sessenta anos, o que é isso face ao Senhor Einstein?
È por isso que quotidianamente consulto o site do IM e vejo cuidadosamente a previsão para dez dias. Acompanhada da ressalva que reza que os primeiros três dias são previsões elaboradas por Meteorologista, os restantes sete através de modelos numéricos. Mas, com o sol, as nuvens brancas, as nuvens cinzentas, as gotas azuis, as temperaturas máxima e mínima, os ventos, o estado do mar, a temperatura da água, os índices Ultra-Violetas.
E se quiser aperceber-me da evolução climatérica em 1971 e 2000 observo com algum cuidado e atenção o gráfico de curvas com as Médias da temperatura do ar e o outro, de barras, que informa da quantidade de precipitação total no mesmo período de tempo. Satélites, radares, mapas evolutivos, cartas, uma verdadeira panóplia Para nos alertar com a correcção possível.
Mas, o Padroeiro do Meteorologistas, que é o muito idoso São Pedro, com seus achaques e inconstâncias, quando mete o bedelho nestas psicadélicas previsões dos tempos, dá frequentemente, raia. Tudo visto e acompanhado, não há maneira de controlar o velhote guardião das chaves do Paraíso que no quotidiano hodierno é uma reminiscência dos mentirologistas do antigamente. Se, por inspiração dos três patrões celestiais, previsse o Santo da pedra (e, obviamente sem anemómetros, aneróides, barógrafos, barómetros, birutas, higrómetros, pluviómetros ou radar Doppler, instrumentos miseramente terrestres q.b.) qual o vendaval que trará de volta a este nosso País o caridoso FMI e quando isso acontecerá, então, outro galo cantaria.
Assim, fico-me pela consulta ao site da IM, IP. E pelos zigue-zagues dos políticos, que persistem em afirmar que, em tais meandros, nem sol na eira, nem chuva no nabal, o que for soará. Mentirologistas.
HÁ SESSENTA e poucos anos, era uso (e era também abuso), a referência jocosa aos mentirologistas. Andava pelos meus oito/nove anos, ou seja 1949/1950, e por esta altura do ano aguardava ansiosamente a chegada do dia 20 para me regalar com as prendas do aniversário. Abro uma parentética para vos comunicar, portanto, que na segunda-feira já me podem enviar os presentes que bem entenderem. Mercedes com puxadores em platina ou BMWs com grelha em ouro com diamantes de bons carates incrustados serão bem acolhidos.
Era o tempo em que as estações do ano, ao contrário das dos comboios, eram certinhas, respeitavam o calendário, sentiam-se como pessoas de bem. Nada das trocas e baldrocas que agora brotam como cogumelos. As temperaturas situavam-se no plano da modéstia que então se defendia, não havia grandes caloraças, nem frios polares. Também no astro vigorava o aforismo latino in medio start virtus, que o mesmo é dizer no meio está a virtude.
É certo que ocorriam as cheias do Tejo, a estrada nacional Lisboa Porto ficava intransitável nas baixas de Santarém, as trovoadas decorriam com toda a normalidade em Portalegre, nas abas da Serra de São Mamede, de acordo com as Notas à Imprensa do SNI, o País estava calmo, a paz reinava, enquanto houvesse um Português sem pão, a Revolução continuaria. Santa época, santas gentes, Santo António.
O milagreiro dos amores e das bilhas, por estranho que pareça, afinal eram dois. Singular situação, que podia sintetizar-se em verso de pé quebrado oriundo de mente maldosa, insultuosa e impenitente. Veja-se só:
Dos dois Antónios
de que Lisboa desfruta,
um é filho da Sé
e o outro… também é.
De resto, é preciso que se diga que a felicidade que inundava os corações lusitanos era fruto da simplicidade, da ternura, da alegria de cada dia, tal como o pão-nosso. E facílima de alcançar. A Casa Portuguesa, que se tornaria o must da canção nacional, afirmava, sem motivos para dúvidas ou reparos que…
… Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.
Etc.
O Serviço Meteorológico Nacional, no meio de toda esta serenidade, desta bem-aventurança, desta simplicidade, era, porém, matéria para muitas dúvidas. As rádios avisavam de acordo com o SMN que no dia seguinte, já se estava em pleno Outono, os cidadãos deveriam sair à rua com os respectivos guarda-chuvas e, muitíssimas vezes, apanhavam com um sol para mangas de camisa e óculos escuros, pelo menos. Ou vice-versa, sendo que este último era muito mais mal recebido. Ingratos, sempre os houve.
A plebe não ia muito à bola com estes lapsos. Onde estava, então, o tão propagandeado rigor científico? Tinha-se instalado, ainda que a contragosto de São Bento, alguma desconfiança que ameaçava generalizar-se e transbordar. E não se tratava da gota de água que dava cabo do equilíbrio do copo; eram muitas as gotas das chuvadas que os meteorologistas não tinham previsto, muito antes pelo contrário.
Donde, o aparecimento da Serviço Mentirológico Nacional e dos mentirologistas. As condições de trabalho eram outras, bem diferentes das que hoje existem, bem como os meios utilizados para as previsões. Se alguém, nessa altura, pusesse a hipótese de satélites, seria a galhofa geral, e apontado a Rilhafoles, depois do gesto do dedo indicador em circular na fronte. Logo, os erros que ocorriam eram motivados, principalmente, pela carência logística e instrumental.
Corria a graçola que dizia que de manhã, chegados ao SMN, os mentirologistas abriam as janelas, deitavam um dedo de fora e se ele voltasse para dentro, molhado, podia-se prever aguaceiros; se o punho da camisa também molhada tivesse ficado era chuva grossa; se a mão abanasse era o vento em rajadas moderadas; se o braço quase voasse era uma ventania dos diabos; se o edifício abanasse ainda que mansamente, aos abrigos, era terramoto. Os Lusitanos de cepa sempre tinham sido especialistas nas anedotas, piadas, chuchadeiras e afins.
Hoje, o caso é muito diferente. O Instituto de Meteorologia, I.P. vai quotidianamente às televisões com infografias animadas, as nuvens a correr, as gotas a pingar, o sol a resplandecer electronicamente sofisticados. E outras modernices. A Internet vai a todas e não há blogue que se safe que não tenha, no mínimo, as temperaturas do dia seguinte e dos outros. As previsões a longo prazo são triviais. Não se sai de sombrinha e galochas, sai-se de telemóvel.
A Meteorologia e a Geofísica subiram a escada da glória - previsível. Restabelecida a confiança dos homens, desapareceu a sensação de aventura desses velhos tempos, aliás não tão idosos como tal, passaram sessenta anos, o que é isso face ao Senhor Einstein?
È por isso que quotidianamente consulto o site do IM e vejo cuidadosamente a previsão para dez dias. Acompanhada da ressalva que reza que os primeiros três dias são previsões elaboradas por Meteorologista, os restantes sete através de modelos numéricos. Mas, com o sol, as nuvens brancas, as nuvens cinzentas, as gotas azuis, as temperaturas máxima e mínima, os ventos, o estado do mar, a temperatura da água, os índices Ultra-Violetas.
E se quiser aperceber-me da evolução climatérica em 1971 e 2000 observo com algum cuidado e atenção o gráfico de curvas com as Médias da temperatura do ar e o outro, de barras, que informa da quantidade de precipitação total no mesmo período de tempo. Satélites, radares, mapas evolutivos, cartas, uma verdadeira panóplia Para nos alertar com a correcção possível.
Mas, o Padroeiro do Meteorologistas, que é o muito idoso São Pedro, com seus achaques e inconstâncias, quando mete o bedelho nestas psicadélicas previsões dos tempos, dá frequentemente, raia. Tudo visto e acompanhado, não há maneira de controlar o velhote guardião das chaves do Paraíso que no quotidiano hodierno é uma reminiscência dos mentirologistas do antigamente. Se, por inspiração dos três patrões celestiais, previsse o Santo da pedra (e, obviamente sem anemómetros, aneróides, barógrafos, barómetros, birutas, higrómetros, pluviómetros ou radar Doppler, instrumentos miseramente terrestres q.b.) qual o vendaval que trará de volta a este nosso País o caridoso FMI e quando isso acontecerá, então, outro galo cantaria.
Assim, fico-me pela consulta ao site da IM, IP. E pelos zigue-zagues dos políticos, que persistem em afirmar que, em tais meandros, nem sol na eira, nem chuva no nabal, o que for soará. Mentirologistas.