terça-feira, 14 de setembro de 2010

O peso de Júpiter, e o seu

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Por Nuno Crato

SE O LEITOR tem o hábito de olhar para o céu nocturno após o pôr do Sol, terá certamente reparado que aparecem agora nele dois pontos de luz muito brilhantes. A oeste, vê-se Vénus descer lentamente para o horizonte. A leste, vê-se Júpiter levantar-se. Cerca das nove, é possível comparar os dois planetas em lados opostos do céu. São inconfundíveis; não haverá nenhum astro no céu nocturno com brilho comparável.

Ambos estão a grande distância da Terra. Nenhum ser humano os observou de perto. No entanto, sabemos muito sobre eles sem precisar de os os alcançar. Sabemos, por exemplo, a sua massa. Segundo um novo método ontem publicado por um grupo de astrónomos (doi: 10.1088/2041-8205/720/2/L201), conseguimos medir a massa de Júpiter com um erro inferior a uma parte em dez milhões. É uma precisão impressionante, que envergonha as nossas balanças. Se o leitor, imaginando que tem cerca de 70 quilogramas, quisesse medir o seu peso com precisão equivalente, teria de comprar uma balança que fosse sensível ao peso de um pequeno grão de açúcar. Quer dizer: os astrónomos conhecem a quantidade de matéria de Júpiter com maior precisão do que o leitor conhece a sua.

O novo método baseia-se numa ideia surpreendente. Os astrónomos usaram um dos relógios naturais mais precisos que se conhece: os pulsares. Essas estrelas rodam sobre si próprias a tremenda velocidade emitindo feixes de luz — funcionam como faróis que emitem sinais a intervalos muito regulares. Recebendo os sinais de alguns pulsares conhecidos, os astrónomos notaram que eles se atrasam e adiantam com alguma regularidade. O movimento da Terra em torno do Sol, aproximando-nos e afastando-nos do pulsar, é responsável pelo avanço e atraso desses sinais.

Até aqui, nada de estranho. Mas os astrónomos repararam que há irregularidades cíclicas no atraso e no avanço da luz dos pulsares que não correspondem ao que é explicável pelo movimento elíptico do nosso planeta. É que não somos os únicos a orbitar o Sol. Os outros planetas, nomeadamente Júpiter, exercem o seu efeito gravítico sobre o conjunto do sistema solar, de forma que o nosso movimento no espaço é condicionado pelos seus.

Aqui, os astrónomos recorreram a uma técnica matemática que agora fez 200 anos: a chamada análise de Fourier. Com essa técnica, é possível analisar todas as observações de atrasos e avanços ao longo dos anos e ver quais são as que se repetem em sintonia com os ciclos de cada planeta. Imagine o leitor que tocava num piano cinco teclas ao mesmo tempo. Com a análise de Fourier, podia decompor o som resultante, filtrando à vez, cada uma das notas. O piano tocava as cinco teclas, o som era recebido num microfone, transformado num computador e, à saída dos altifalantes, aparecia apenas uma à sua escolha. Parece ficção, mas é a realidade. Foi assim que as televisões tentaram filtrar o irritante som das vovuzelas durante as transmissões do mundial. Por vezes com pouco sucesso, reconheça-se.

Para os astrónomos, a música é dada pelas oscilações de posição dos astros. Conseguindo decompô-las, conseguem medir o efeito de cada planeta no movimento do sistema solar no seu conjunto. Com isso, calculam a massa de cada planeta. É simples! Esta noite, ao olhar para Vénus e para Júpiter, lembre-se que a massa desses planetas é mais fácil de medir do que a sua, caro leitor.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 11 Set 10