Por Carlos Fiolhais
AS NOTÍCIAS de meados de Agosto davam conta de que a economia alemã tinha crescido 2,2 por cento do primeiro para o segundo trimestre deste ano, um número recorde desde a reunificação, enquanto a economia portuguesa tinha crescido no mesmo período uns míseros 0,2 por cento. É caso para dizer que a locomotiva da Europa bem puxa, mas as carruagens da cauda teimam em não andar.
Se se quer perceber porquê, não há nada como dar um salto à Alemanha. Apartei-me do estio português a meio de Agosto, logo a seguir às notícias do crescimento desigual, em busca das razões da desigualdade. Para chegar ao aeroporto de Lisboa tinha-me socorrido de um táxi, mas, à chegada ao aeroporto de Colónia-Bona, tal já não foi preciso, pois logo um comboio me esperava, com rigorosa pontualidade, para me deixar, escassos minutos depois, na Hauptbanhof de Colónia, onde pude tomar o metro. O hotel onde fiquei deu-me depois um passe de transportes urbanos para os dias da estada, prática comum a várias cidades europeias. O sistema de transportes regional está bem planeado e funciona, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, de acordo com o afixado. As entradas e saídas do metro estão abertas, pois a fiscalização é apenas ocasional. Menschen bewegen (Mover pessoas) é a divisa da empresa de transportes urbanos. Tudo está feito para poupar tempo. Em Lisboa, apesar dos investimentos brutais realizados com dinheiros europeus (isto é, alemães) em detrimento de outras zonas do país, não há nem comboio nem metro até ao aeroporto. E toda a gente perde imenso tempo.
Sempre que regresso à Alemanha sei que reentro num país onde não só os relógios funcionam como as pessoas funcionam de acordo com os relógios, cumprindo os planos que estabeleceram. E pergunto de cada vez a mim próprio como é que os alemães conseguem lidar com o problema do tempo português quando se deslocam, em trabalho ou em férias, ao nosso país. Numa livraria, que as há boas na baixa de Colónia, comprei, por isso, o livro Gebrauchsanweisung für Portugal (Piper, 5ª edição, 2010), em português Manual de Instruções para Portugal, do jornalista Eckhart Nickel. O autor fornece as palavras-chave para sobreviver numa visita a Portugal: tempo e paciência (Zeit und Geduld). Escreve: “Percorrer Portugal em meios de transporte públicos exige tempo e paciência”. Conjecturo que a segunda palavra só existe na língua alemã por causa da eventual necessidade de deslocação ao extremo oeste da Europa... Não foi há muitos anos que uma colega alemã ficou estupefacta por nem sequer encontrar horários de autocarros em Portugal. Tinha simplesmente de esperar com a necessária paciência pelo próximo. Agora, o jornalista queixa-se de que os horários de transportes são dados de um modo encriptado. Por exemplo, os horários de autocarro têm notas de rodapé do tipo: “De 16/9 a 30/6 aos sábados (ou sextas feiras se for feriado) ou segundas-feiras (ou terças-feiras se for dia seguinte a feriado)”. Essas indicações, convenhamos, desanimam qualquer passageiro, que, se desesperar na espera, terá de chamar um táxi. O autor previne os visitantes a Portugal: “Quem tem tempo, é aqui um rei, mas quem não tem não devia cá vir. Pois até os horários de abertura [de serviços] não passam de meras recomendações: dentro deles ser-se-á com sorte atendido por funcionários que se movem com a velocidade de uma lagosta num aquário”.
Já éramos assim antes do 25 de Abril e pouco mudámos. Curt Meyer-Clason, que dirigiu o Instituto Goethe em Lisboa nos anos 70 do século passado, escreveu nos seus Diários (Portugiesicher Tagebuecher, Athenäum, 1979), numa entrada de 1972: “O tempo português é uma substância que se deixa evaporar”. Como é que um povo que não faz planos claros, não tem serviços públicos decentes e não respeita quaisquer horários pode aspirar ao mesmo produto interno bruto que os alemães? Como é que um país cujo primeiro-ministro se compraz em chegar atrasado a eventos oficiais pode apanhar o comboio da Europa? Não pode. Ainda que tenha muito tempo e paciência.
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«Público» e De Rerum Natura
AS NOTÍCIAS de meados de Agosto davam conta de que a economia alemã tinha crescido 2,2 por cento do primeiro para o segundo trimestre deste ano, um número recorde desde a reunificação, enquanto a economia portuguesa tinha crescido no mesmo período uns míseros 0,2 por cento. É caso para dizer que a locomotiva da Europa bem puxa, mas as carruagens da cauda teimam em não andar.
Se se quer perceber porquê, não há nada como dar um salto à Alemanha. Apartei-me do estio português a meio de Agosto, logo a seguir às notícias do crescimento desigual, em busca das razões da desigualdade. Para chegar ao aeroporto de Lisboa tinha-me socorrido de um táxi, mas, à chegada ao aeroporto de Colónia-Bona, tal já não foi preciso, pois logo um comboio me esperava, com rigorosa pontualidade, para me deixar, escassos minutos depois, na Hauptbanhof de Colónia, onde pude tomar o metro. O hotel onde fiquei deu-me depois um passe de transportes urbanos para os dias da estada, prática comum a várias cidades europeias. O sistema de transportes regional está bem planeado e funciona, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, de acordo com o afixado. As entradas e saídas do metro estão abertas, pois a fiscalização é apenas ocasional. Menschen bewegen (Mover pessoas) é a divisa da empresa de transportes urbanos. Tudo está feito para poupar tempo. Em Lisboa, apesar dos investimentos brutais realizados com dinheiros europeus (isto é, alemães) em detrimento de outras zonas do país, não há nem comboio nem metro até ao aeroporto. E toda a gente perde imenso tempo.
Sempre que regresso à Alemanha sei que reentro num país onde não só os relógios funcionam como as pessoas funcionam de acordo com os relógios, cumprindo os planos que estabeleceram. E pergunto de cada vez a mim próprio como é que os alemães conseguem lidar com o problema do tempo português quando se deslocam, em trabalho ou em férias, ao nosso país. Numa livraria, que as há boas na baixa de Colónia, comprei, por isso, o livro Gebrauchsanweisung für Portugal (Piper, 5ª edição, 2010), em português Manual de Instruções para Portugal, do jornalista Eckhart Nickel. O autor fornece as palavras-chave para sobreviver numa visita a Portugal: tempo e paciência (Zeit und Geduld). Escreve: “Percorrer Portugal em meios de transporte públicos exige tempo e paciência”. Conjecturo que a segunda palavra só existe na língua alemã por causa da eventual necessidade de deslocação ao extremo oeste da Europa... Não foi há muitos anos que uma colega alemã ficou estupefacta por nem sequer encontrar horários de autocarros em Portugal. Tinha simplesmente de esperar com a necessária paciência pelo próximo. Agora, o jornalista queixa-se de que os horários de transportes são dados de um modo encriptado. Por exemplo, os horários de autocarro têm notas de rodapé do tipo: “De 16/9 a 30/6 aos sábados (ou sextas feiras se for feriado) ou segundas-feiras (ou terças-feiras se for dia seguinte a feriado)”. Essas indicações, convenhamos, desanimam qualquer passageiro, que, se desesperar na espera, terá de chamar um táxi. O autor previne os visitantes a Portugal: “Quem tem tempo, é aqui um rei, mas quem não tem não devia cá vir. Pois até os horários de abertura [de serviços] não passam de meras recomendações: dentro deles ser-se-á com sorte atendido por funcionários que se movem com a velocidade de uma lagosta num aquário”.
Já éramos assim antes do 25 de Abril e pouco mudámos. Curt Meyer-Clason, que dirigiu o Instituto Goethe em Lisboa nos anos 70 do século passado, escreveu nos seus Diários (Portugiesicher Tagebuecher, Athenäum, 1979), numa entrada de 1972: “O tempo português é uma substância que se deixa evaporar”. Como é que um povo que não faz planos claros, não tem serviços públicos decentes e não respeita quaisquer horários pode aspirar ao mesmo produto interno bruto que os alemães? Como é que um país cujo primeiro-ministro se compraz em chegar atrasado a eventos oficiais pode apanhar o comboio da Europa? Não pode. Ainda que tenha muito tempo e paciência.
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«Público» e De Rerum Natura