quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Edite escreveu uma carta

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Por Baptista-Bastos

EDITE ESTRELA escreveu uma carta aos seus camaradas. Embora não sendo camarada de Edite, o texto chegou-me às mãos. É uma carta de instigação e de crítica, por igual impetuosas. Num Portugal entediado, precaucionista, com vocação concêntrica para a manhosice e as meias palavras, o texto de Edite Estrela constitui um tonificante sobressalto. Entendem-se as preocupações subjacentes. Já se não entende o alarido indisposto da Direita, a qual, à falta de melhor argumento, fala, indignadíssima, que Edite Estrela "roça o insulto" ao Presidente da Republica [Marcelo Rebelo de Sousa dixit].

Andei, infatigável e arfante, à procura do insulto de Edite, da injúria de Edite, do indecoro de Edite. Vasculhei a prosa; procedi a um varejo intenso e minucioso; esquadrinhei o adjectivo; perscrutei as eventuais insinuações que se escondessem, sinistramente, por detrás das locuções adverbiais. Nada. A carta mais não adianta do que repetir o que muitos portugueses alfabetizados pensam e dizem do dr. Cavaco. E fá-lo com prudência, com equilíbrio e com gramática. Não diz que o rei vai nu. Aponta os perigos que o reino corre com este rei vestido, crispado, desprovido de ironia, regido por um projecto político no qual o humanismo e a compaixão estão ausentes. Nem um sopro de novidade. Diz Borges que os homens assim configurados ocultam sempre algo de sinistro. Diz Borges, não Edite.

Parece-me que o furor do PSD tem mais a ver com o lumbago do que com angústias existenciais. Lê-se o que, por encomenda, diz Jorge Moreira da Silva, e não se acredita. Moreira da Silva é uma figura irrelevante, mas não deixa de ser vice de Passos Coelho, e antigo assessor do dr. Cavaco. Moreira foi encarregado de responder a Edite, em nome da artificiosa emoção causada, no partido, pela carta. São declarações confrangedoras, por desajustadas e medíocres.

Depois da inabilidade demonstrada nas anunciadas alterações à Constituição, do consequente trambolhão nas sondagens, e da dubiedade nas posições sobre o Orçamento, Pedro Passos Coelho continua a passeata displicente para o despenhadeiro. Ou as cabeças dos seus conselheiros riscam o diamante ou são socialistas infiltrados. Passos parece não dispor de muitas ideias de seu. De disparate em disparate criou, agora, este ilusório problema. E arrastou o dr. Cavaco para afirmações infelizes, indicativas de que este não leu a carta. Ao asseverar que é "pessoa educada", o dr. Cavaco acusa, subrepticiamente, Edite Estrela de má educação, acaso por ela defender Manuel Alegre, promover a "vitória da cultura contra a tecnocracia" e contrariar "uma visão restrita e preconceituosa" da sociedade. Mas não há, no texto, um pingo de descortesia. Apenas meia dúzia de verdades.
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«DN» de 15 Set 10