domingo, 12 de setembro de 2010

História de um grande português

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Por Baptista-Bastos

NA TERÇA-FEIRA, dia 7 p.p., assisti, na RTP-2, a parte do que me pareceu um excelente documentário, sobre Manuel Tito de Morais. Não vi desde o princípio, e tenho pena.

O documentário faz parte de uma série sobre portugueses proeminentes, e é bom que a memória histórica seja reavivada, numa altura em que tudo se encaminha para a amnésia colectiva. Semanas antes, vira um excelente trabalho sobre Jorge de Sena, com notáveis intervenções da sua viúva, D. Mécia de Sena, incansável guardiã da memória e da obra do grande escritor. As minhas ausências como telespectador devem-se ao facto de evitar a passividade imposta por aquele media, e a irritação que me assola quando, por acaso, sou "tomado" por este ou por aquele programa. O processo de imbecilização cultural e, até moral, a que as televisões estão votadas, mereceriam intervenções de carácter… policial. O que vi do programa sobre Manuel Tito de Morais [14. Dezembro. 1910- 28. Junho. 1999] entusiasmou-me. Pela qualidade da investigação, pelos depoimentos e, sobretudo pela aproximação feita à acção e à vida de uma personalidade que os nossos desatinos têm colocado na sombra, e interesses cavilosos têm ofuscado.

E, no entanto, o eng.º Tito de Morais foi um homem que não desistiu; um daqueles, cada vez mais raros, antifascistas que se bateu, com denodo e coragem, para o que o PS fosse, realmente, socialista. Sabe-se que nunca se calou, que sempre esteve em desacordo, e um desacordo veemente e categórico, quando assistia aos desvios à direita do partido de que era, rigorosamente, o grande fundador.

Nunca ensarilhou as armas, nunca abandonou a velha trincheira republicana de combate e de honra. Foi preso várias vezes pelo PIDE, torturado com crueldade; viveu no exílio em países tão diferentes quanto Angola, Brasil, Argélia, Itália, rodeado de mulher e de filhos numerosos, cercado de dificuldades de toda a ordem. São impressionantes as revelações feitas no documentário; como surpreendente é o silêncio pesado e doloroso que paira sobre Tito de Morais.

Não o conheci pessoalmente, mea culpa, sabia quem ele era, e juntava-o a essa imensa legião de portugueses que se bateram, com denodo e bravura, contra o fascismo salazarista. Fiquei a conhecê-lo um pouco melhor e a criar o desejo de saber mais sobre este português valoroso, que não soçobrou ante as mais terríveis injustiças e as mais insustentáveis ameaças. Talvez se perceba porque é que ele nunca foi ministro, apenas duas vezes secretário de Estado. E também talvez se entenda que a integridade da sua moral e o poder da sua honra, o tenham levado a recusar ser administrador da Galp porque entendeu que o vencimento proposto era escandalosamente indecente em relação ao então ordenado mínimo nacional: 30 mil escudos.

A gente observa o que se passa em redor; assiste a estas vergonhas de que são protagonistas (entre outros, claro) alguns próceres do PS; contempla, com a raiva nos dentes, às capitulações e às traições destes "socialistas" actuais - e é por eles que cora de vergonha, da vergonha que eles não têm, bem entendido. No documentário, há uma imagem particularmente emocionante: fixa um qualquer congresso do PS e a imagem alquebrada e envelhecida, porém altiva e indomável, de Manuel Tito de Morais. O jornalista pergunta-lhe: "Está contente com o seu partido?" A resposta é seca e rápida: "Não!"

Todos os deponentes neste filme são unânimes: ele foi um homem de bem, um homem honrado e impoluto e um grande carácter. Almeida Santos diz: "Um pouco radical, enfim…" Radical, uma ova, meu caro Almeida Santos. É hábito destes tempos chamar-se "radical" a quem recalcitra, a quem rejeita pertencer à manada, a quem defende princípios, valores e convicções. Parece que a inquietação moral e ideológica de Manuel Tito de Morais era aceita com complacência e, até, com a benevolência dispensada a uma traquinice. Nada disso.

Tito de Morais estava empenhado em transformar o mundo e em ajudar a fazer de Portugal um país europeu, moderno, civilizado, informado e culto. Mas percebeu que esta gente não era a sua gente. Protestava com energia, mas nunca deixou o partido de que era o principal fundador. Sabia que só unida a Esquerda conseguiria realizar as alterações e as reformas sociais de que o País necessitava. Tal como Fernando Piteira Santos, outro grande português que os portugueses esqueceram, bateu-se, até ao fim por essa unidade.No final, foi emocionantemente bom ouvir os filhos de Manuel Tito de Morais confessarem o orgulho que tinham pela vida do pai.
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«J. Negócios» de 10 Set 10