Por Maria Filomena Mónica
SE EU TIVESSE catorze anos, como a minha neta mais velha, também gostaria de Edward Cullen. O herói inventado por Stephenie Meyer representa o amor interdito. Pálido e magro, a beleza de Edward não é a de James Dean – o herói da minha geração – mas a do rebelde sem causa do século XXI. Quando Bella é obrigada a trocar Phoenix, a cidade onde vivia, por Forks, fica vulnerável. «Bela, frágil, assustada» é assim que, pela primeira vez, olha Edward. Tal como Lady Caroline Lamb, após ter conhecido Lord Byron, também ela se apercebe que ele era «louco, mau e perigoso».
Para o ser, a paixão tem de ser imaterial, um tema que, entre outros, Eça de Queirós glosou no conto José Matias. Sei, porque a vivi, tinha exactamente a mesma idade de Bella. Educada num colégio de freiras, apenas sabia que havia pecados. Ouvira falar de uns relacionados com a carne, mas, até tarde, imaginei estarem eles ligados ao jejum das Sextas-Feiras, em que, nós, os católicos, éramos obrigados a abstermo-nos, à mesa, do consume de carne. O máximo que um confessor me perguntou, na altura, foi se eu dava beijos na boca ao namorado. Percebi logo que o sexo dava mais prazer quando interdito.
A Revolução dos anos 1960 veio alterar os costumes. Hoje, tudo é permitido, o que, como é obvio, diminui a possibilidade de se viverem paixões. Neste contexto, Stephenie Meyer tinha de inventar qualquer coisa de extraordinário para fazer do parceiro amoroso um objecto proibido. A solução foi arranjar um vampiro. Mesmo que Edward ame Bella, e ama-a com todas as suas forças, se consumar o acto, matá-la-á, o que o leva a um leque de emoções desencontradas. Não conseguindo explicar o comportamento errático de Edward – o qual tão depressa parece desprezá-la como amá-la – Bella fica obcecada por ele. Nada mais conta na sua vida para além daquele jovem simultaneamente incompreensível e sua alma gémea. Não é por acaso que Bella cita O Monte dos Vendavais. Sob certos aspectos, Bella e Edward retomam a relação entre Cathy e Heathcliff. Veja-se o que Cathy diz a Nelly (a ama que funciona como narradora): «Nelly, eu sou Heathcliff – ele está sempre no meu espírito, não como um prazer – tão pouco sou eu invariavelmente um prazer para mim própria – mas como a minha essência.» Antes, afirmara: «Se tudo o resto desaparecesse e ele ficasse, eu continuava a existir; e se tudo o resto permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia num mundo estranho de que eu já não faria parte.»
É evidente que o livro de Emily Brontë é uma obra prima e o de Stephenie Meyer uma obra literariamente menor – embora tenha diálogos bem conseguidos – mas a razão que leva as adolescentes a gostar desta série de livros – Crepúsculo é o primeiro de uma tetralogia – é a atracção de certas mulheres por homens pérfidos. Ao longo de meses, os livros de Stephenie Meyer ocuparam, em todo o mundo, o primeiro lugar na lista de best-sellers. Lançado em Portugal, em 2005, pela Gaialivro, foi imediatamente reeditado. Pouco depois, o filme chegava às salas portuguesas, acabando de ser posto à venda em DVD. Até em Portugal, Edward tem uma longa fila de apaixonadas à espera.
Perante isto, não me venham dizer que os adolescentes não gostam de ler. É verdade que, por sua iniciativa, só lerão o que lhes diz qualquer coisa sobre o período que estão a atravessar – um dos mais difíceis da vida – mas fazem-no com avidez. É igualmente verdade que o livro contém passagens convencionais, mas não é tão conformista quanto se tem dito. Note-se que a heroína é filha de pais divorciados, que a mãe é uma irresponsável e o pai um ser destituído de capacidades afectivas. Aquele mundo, entre a casa disfuncional, os alunos de gel na cabeça e as discussões sobre quem gosta de quem, está próximo dos jovens.
Deixei, de propósito, para o fim a questão das convicções ideológicas da autora. O facto de ser mórmon tem sido referido como se o facto contaminasse o produto. Ora, a mim, pouco me importa que Edward saia da cabeça de alguém que acredita nos escritos de Joseph Smith ou de alguém que se entretém a analisar a Summa Theologica de São Tomás de Aquino. Como a Bella, o que me atrai é o facto de Edward ser belo e fugidio. Não há melhor receita para uma paixão.
.SE EU TIVESSE catorze anos, como a minha neta mais velha, também gostaria de Edward Cullen. O herói inventado por Stephenie Meyer representa o amor interdito. Pálido e magro, a beleza de Edward não é a de James Dean – o herói da minha geração – mas a do rebelde sem causa do século XXI. Quando Bella é obrigada a trocar Phoenix, a cidade onde vivia, por Forks, fica vulnerável. «Bela, frágil, assustada» é assim que, pela primeira vez, olha Edward. Tal como Lady Caroline Lamb, após ter conhecido Lord Byron, também ela se apercebe que ele era «louco, mau e perigoso».
Para o ser, a paixão tem de ser imaterial, um tema que, entre outros, Eça de Queirós glosou no conto José Matias. Sei, porque a vivi, tinha exactamente a mesma idade de Bella. Educada num colégio de freiras, apenas sabia que havia pecados. Ouvira falar de uns relacionados com a carne, mas, até tarde, imaginei estarem eles ligados ao jejum das Sextas-Feiras, em que, nós, os católicos, éramos obrigados a abstermo-nos, à mesa, do consume de carne. O máximo que um confessor me perguntou, na altura, foi se eu dava beijos na boca ao namorado. Percebi logo que o sexo dava mais prazer quando interdito.
A Revolução dos anos 1960 veio alterar os costumes. Hoje, tudo é permitido, o que, como é obvio, diminui a possibilidade de se viverem paixões. Neste contexto, Stephenie Meyer tinha de inventar qualquer coisa de extraordinário para fazer do parceiro amoroso um objecto proibido. A solução foi arranjar um vampiro. Mesmo que Edward ame Bella, e ama-a com todas as suas forças, se consumar o acto, matá-la-á, o que o leva a um leque de emoções desencontradas. Não conseguindo explicar o comportamento errático de Edward – o qual tão depressa parece desprezá-la como amá-la – Bella fica obcecada por ele. Nada mais conta na sua vida para além daquele jovem simultaneamente incompreensível e sua alma gémea. Não é por acaso que Bella cita O Monte dos Vendavais. Sob certos aspectos, Bella e Edward retomam a relação entre Cathy e Heathcliff. Veja-se o que Cathy diz a Nelly (a ama que funciona como narradora): «Nelly, eu sou Heathcliff – ele está sempre no meu espírito, não como um prazer – tão pouco sou eu invariavelmente um prazer para mim própria – mas como a minha essência.» Antes, afirmara: «Se tudo o resto desaparecesse e ele ficasse, eu continuava a existir; e se tudo o resto permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia num mundo estranho de que eu já não faria parte.»
É evidente que o livro de Emily Brontë é uma obra prima e o de Stephenie Meyer uma obra literariamente menor – embora tenha diálogos bem conseguidos – mas a razão que leva as adolescentes a gostar desta série de livros – Crepúsculo é o primeiro de uma tetralogia – é a atracção de certas mulheres por homens pérfidos. Ao longo de meses, os livros de Stephenie Meyer ocuparam, em todo o mundo, o primeiro lugar na lista de best-sellers. Lançado em Portugal, em 2005, pela Gaialivro, foi imediatamente reeditado. Pouco depois, o filme chegava às salas portuguesas, acabando de ser posto à venda em DVD. Até em Portugal, Edward tem uma longa fila de apaixonadas à espera.
Perante isto, não me venham dizer que os adolescentes não gostam de ler. É verdade que, por sua iniciativa, só lerão o que lhes diz qualquer coisa sobre o período que estão a atravessar – um dos mais difíceis da vida – mas fazem-no com avidez. É igualmente verdade que o livro contém passagens convencionais, mas não é tão conformista quanto se tem dito. Note-se que a heroína é filha de pais divorciados, que a mãe é uma irresponsável e o pai um ser destituído de capacidades afectivas. Aquele mundo, entre a casa disfuncional, os alunos de gel na cabeça e as discussões sobre quem gosta de quem, está próximo dos jovens.
Deixei, de propósito, para o fim a questão das convicções ideológicas da autora. O facto de ser mórmon tem sido referido como se o facto contaminasse o produto. Ora, a mim, pouco me importa que Edward saia da cabeça de alguém que acredita nos escritos de Joseph Smith ou de alguém que se entretém a analisar a Summa Theologica de São Tomás de Aquino. Como a Bella, o que me atrai é o facto de Edward ser belo e fugidio. Não há melhor receita para uma paixão.
«GQ» de Setembro de 2009