terça-feira, 21 de outubro de 2008

Os enteados de Nobel

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Por Nuno Crato.

ALFRED BERNHARD Nobel (1833 –1896) foi um químico sueco que fez uma fortuna com a invenção da dinamite e de outros explosivos. Na altura, usavam-se materiais muito sensíveis às oscilações de temperatura e de manuseamento muito delicado e perigoso. Nobel conseguiu embeber nitroglicerina, um explosivo poderoso e muito instável, numa substância terrosa inerte, uma espécie de areia fina. Com isso criou um material transportável com segurança e que mantinha a sua potência explosiva. Nobel inventou ainda um explosivo gelatinoso mais potente, a gelatinite e um conjunto de materiais similares. Fez uma fortuna e houve quem o acusasse de tirar lucros da morte dos outros.
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Ao que se diz, em parte para afastar os remorsos por ter contribuído para o uso de materiais explosivos nas guerras, Nobel legou a sua fortuna para premiar quem se destacasse em prestar serviços à humanidade, nomeadamente contribuindo para a paz e para o bem estar. Em 1895, um ano antes de morrer, Alfred Nobel assinou em Paris o seu testamento, destinando-o a cinco prémios: Paz, Literatura, Física, Química e Medicina. Na altura todas estas eram áreas centrais da actividade humana e a Física e a Química eram as ciências em desenvolvimento mais acelerado. Faria pouco sentido, por exemplo, instituir um prémio para a Economia, na altura ainda muito literária. A Matemática também não tinha o desenvolvimento aplicado e a ubiquidade que hoje se lhe conhece.
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O mundo evoluiu. A União Matemática Internacional criou o seu próprio prémio, tão prestigiado que se considera por vezes o «Nobel da matemática». Trata-se da medalha Fields, que é atribuída de quatro em quatro anos, por ocasião do Congresso Internacional de Matemáticos, a investigadores que tenham obtido resultados especialmente relevantes no período anterior.
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A Economia, entretanto, evoluiu para se tornar uma ciência quantificada, com recurso a modelos matemáticos que permitem estudar as relações entre os factores de desenvolvimento da vida económica. Tornou-se tão importante que o Banco da Suécia promoveu o «Prémio em Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel». Ao contrário do que muitas vezes se pensa, esse prémio não é subsidiado pelo fundo Nobel, mas é entregue em simultâneo com os que este fundo financia.
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Como o ressaltam muitos cientistas, como, por exemplo, o biólogo Edward O. Wilson, foi o recurso à matemática que permitiu que a Economia se destacasse de outras áreas de estudos sociais e passasse a produzir proposições e previsões testáveis, o que constitui um requisito indispensável da ciência. Apesar de parecer na moda ironizar a incapacidade de previsão dos economistas, como acontece, por exemplo, no livro «O Cisne Negro», que tem constituído um estranho sucesso comercial, o certo é que foi a introdução de modelos matemáticos que permitiu aos economistas criarem modelos úteis e compreenderem melhor o que se passa nas trocas comerciais, na criação de riqueza e na vida financeira. Rejeitar os modelos formalizados porque não conseguem prever o que é, por natureza, imprevisível, não passa de um retrocesso obscurantista. Afinal, também é a Matemática, talvez mais pela teoria das probabilidades do que pela teoria do caos, que ajuda a perceber os fenómenos imprevisíveis.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 18 de Outubro de 2008 (adapt.).
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Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.