sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Escrever para os jornais

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Por Maria Filomena Mónica

AS PESSOAS ESCREVEM por uma multiplicidade de razões, fome de celebridade, desejo de vingança, narcisismo, ódio e dinheiro. O último factor é certamente o mais comum. Escritores célebres – Camilo, Dickens, Orwell – colaboraram em jornais como forma de ganhar a vida, mas nenhum foi tão imaginativo quanto Eça, que delineou um enredo, A Batalha do Caia, com o objectivo de chantagear o Ministério dos Negócios Estrangeiros: inventou uma invasão espanhola aceite resignadamente por Portugal. Caso o ministro Andrade Corvo considerasse a ideia explosiva, prontificava-se, mediante uma determinada soma, a não publicar a história. O plano só não foi concretizado porque Ramalho Ortigão, a quem atribuíra o papel de intermediário, se recusou a fazer parte do que considerava uma imoralidade. Embora eu tenha delirado com o esquema, nunca o tentei imitar. Mas, como ele, preciso de dinheiro. Se é verdade que ver a minha opinião impressa me dá prazer, duvido que o fizesse caso não fosse paga.

Faz agora um ano, estando em pousio do meu «diário» quinquenal no Público, telefonou-me o Sérgio Coimbra. Não o conhecia pessoalmente, mas tendo-nos falado ao telefone vezes sem conta, quando colaborei em O Independente, simpatizava com ele. Dei-me 24 horas para decidir. Uma vez que raramente saio do meu bairro, não conhecia este género de jornais, mas sabia que a colaboração poderia afectar o meu status académico. Quando interroguei os meus mais íntimos colegas, desaconselharam-me o projecto, na base de que uma doutorada em Oxford não podia descer tão baixo. A snobeira, implícita na atitude, ajudou-me a decidir: em sentido contrário.

Decidi colaborar, com uma precaução: a de jamais infantilizar as minhas crónicas. Caso o que escrevesse estivesse acima da cultura dos leitores do jornal, competia ao seu director despedir-me, não a mim adoptar uma atitude populista. Escolhi, de forma livre, os meus temas, do destino do cadáveres à homenagem à série «Dr House». Se perdi influência junto das elites, penetrei em camadas da população às quais nunca tivera acesso. Em suma, não me arrependo.

Maio de 2008