sábado, 10 de outubro de 2009

Eleições - Parte 2

Por Alice Vieira

E LÁ TEMOS de novo eleições.

E lá temos de novo as mesmas esperanças, as mesmas angústias, as mesmas horas que têm todas muito mais de sessenta minutos.

E lá encontramos de novo as mesmas pessoas, “cá estamos outra vez”, “então, tem de ser”, arrastando-se até às mesas, enganando-se de vez em quando, “então tu não me disseste que era na 5?”, “da outra vez acho que foi”, “mas a outra vez foi a outra vez, esta vez é esta vez”, “anda lá para a frente e não me chateies!”, tudo em prol da democracia e da harmonia familiar.

E de novo ficamos plantados diante do televisor, que nos informa que o político A foi passar a tarde ao cinema, que o B foi andar de bicicleta para o Parque das Nações, que o C anda com os filhos pela “Kidzania” a mostrar-lhes o que a vida custa a ganhar, que o D está de visita à avozinha que se encontra num lar, que o E aproveitou para pôr em dia as palavras cruzadas de uma data de jornais atrasados — ou seja, que só nós é que somos parvos ao ponto de ficarmos agarrados ao écran a roer as unhas.

E de novo ouvimos as mesmas análises, as mesmas desculpas, as mesmas justificações.

E de novo nos admiramos com as declarações que já devíamos saber de cor, e esperamos pelas oito horas por causa dos Açores, e mesmo em cima das oito horas já as televisões anunciam os resultados, e toda a gente fica a saber tudo, menos os desgraçados que estão a contar os votos das urnas, esses são, como os maridos enganados, os últimos a saber — o que não deixa de ser estranho, e nunca entrou na cabeça da minha tia Clara que, até morrer, coitadinha, perguntava sempre, em alturas destas:

- Se só agora é que estão a abrir as urnas, como é que na televisão já sabem quantos boletins havia dentro de cada uma?

Acho que pensou sempre que ali havia um bruxedo qualquer, quem sabe se não terá mesmo suspeitado de um intrincado sistema de escutas dentro das urnas ou qualquer outro plano igualmente diabólico.

E de novo os que ganharem, ganham; e os que perderem também ganham – mas quem na verdade ganha é o chinês da minha rua, que é o único restaurante aberto em todo o bairro em dia de eleições.

Mas ainda estou para saber por que é que a gente anda para aqui com eleições, se todos nós sabemos (porque há anos que os ouvimos…) que os melhores candidatos a deputados, a presidentes da República, e de câmaras, e de juntas de freguesia, aqueles mesmo perfeitos, aqueles que a gente tem a certeza de que nunca se hão-de enganar e que hão-de ter sempre a solução certa para todos os problemas — estão a arrumar carros, a escanhoar barbas e a guiar táxis. Íamos buscá-los, resolvíamos alguns problemas de desemprego, e o país era, finalmente, governável.

«JN» de 10 de Outubro de 2009