sábado, 3 de outubro de 2009

Belém: o IgNobel não atribuído

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Por Antunes Ferreira

SINGULAR: AS VACAS a quem foi dado nome próprio dão mais leite do que as anónimas. A descoberta, anunciada pela investigadora Catherine Douglas, dos Estados Unidos, valeu-lhe o Prémio IgNobel da Medicina Veterinária. 2009. Ela e Peter Rowlenson trabalham na Universidade de Newcastle.

Mas – o que são os Prémios IgNobel? São uma sátira dos Nobel e são dados no Outono para as descobertas científicas mais estranhas do ano. Os prémios são entregues em Harvard para honrar estudos e experiências que primeiro fazem as pessoas rir, e depois pensar. Foram criados pela revista de humor científico Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável).

A ideia que está na sua base é premiar pesquisas raras, honrar a imaginação, e atrair o interesse público para a ciência, a medicina e a tecnologia. Foram entregues pela primeira vez em 1991, sendo que a cerimónia foi, desde então e até hoje, enriquecida e abrilhantada pela presença de verdadeiros laureados com o Nobel, que os entregam aos vencedores.

Na quinta feira, em Boston, houve outros laureados, de acordo com as agências. Entre outros, o IgNobel da Paz foi para Stephan Bolliger que teve de explicar se causa mais danos bater na cabeça de outra pessoa com uma garrafa de cerveja cheia ou com outra, vazia. Já o da Literatura foi atribuído à polícia irlandesa, que passou mais de 50 multas de condução ao polaco Prazo Jazdy - as palavras polacas que significam "carta de condução", e que estão escritas no documento por cima do nome da pessoa.

O IgNobel da Química coube a equipa mexicana que descobriu a produção de diamantes a partir da tequila, enquanto o da Medicina pertenceu ao norte-americano Donald Unger, que passou 60 anos a estalar os dedos só da mão esquerda para ver se causava artrite. E o da Matemática foi para Gideon Gono, governador do banco de Zimbabwe, que mandou produzir notas entre 0,01 e 100 biliões de dólares do país - um 1 seguido de 14 zeros.

Mas, outro galardão teve imenso sucesso e foi muito aplaudido: o destinado à a Saúde Pública, entregue a Elena Bodnar, que inventou soutiens que podem ser transformados em máscaras antigás, em caso de emergência, para a pessoa que os use, e para quem for a passar. Bodnar inclusive levou vários exemplares para a cerimónia.

Isto dá realmente para rir e depois pensar, tal como disseram os seus criadores. Enquanto em Boston, na quinta-feira, estes assuntos originaram boa disposição, gargalhadas e palmas, em Portugal o tema da semana foi outro, absolutamente incrível e impensável: a caricata «comunicação» aos Portugueses de Aníbal Cavaco Silva, alegadamente para explicar a fantasmagórica escuta a Belém.

O Presidente da República não passou da intenção – se é que a teve. O homem que, segundo ele próprio, nunca se engana e raramente comete erros, ou vice-versa, acrescento eu, teve arte e engenho para ultrapassar no domínio da asneira a famosa frase do falecido almirante Américo Tomás, «é a primeira vez que aqui venho – depois de aqui ter estado pela última vez». Lapidar.

O inquilino do Palácio de Belém – que espero não ver renovar o contrato de arrendamento (se o houver), já que despejado por má figura e desgraçado comportamento político – teve, porém, um ponto importante de contacto com os IgNobel e daí a comparação. Fez soar gargalhadas por todo o nosso País. Teria graça – se fosse anedota. Mas não tem nenhuma. Nem sequer um IgNobel lhe foi atribuído. E merecia-o. As instituições políticas reflectem, para o bem e para o mal, aquilo que são os respectivos titulares. Mas, atenção: foram os Portugueses que o elegeram. É muito bem feito.