domingo, 25 de outubro de 2009

Noites de Galileu

Por Nuno Crato

EM TODO O MUNDO, entre as noites da passada quinta e a de hoje, muitos milhares ou mesmo milhões de olhos estiveram virados para o céu, numa das mais espectaculares realizações deste Ano Internacional da Astronomia. Esperemos que hoje, finalmente, não chova e que possamos juntar-nos aos cidadãos de todo o mundo que estão a replicar as observações que Galileu fez há 400 anos.

Sabemos que em Outubro de 1609 o grande físico italiano tinha já construído uma luneta com a qual começara a olhar para o céu. Com esse novo instrumento, fez várias descobertas extraordinárias no espaço de poucos meses. Entre Novembro de 1609 e Março de 1610 viu os relevos lunares, de onde concluiu que a Lua não era um astro perfeito e perfeitamente esférico como se pensava, notou que havia no céu muito mais estrelas do que as que são visíveis a olho nu, o que foi uma revelação surpreendente, e descobriu que Júpiter tinha pequenos satélites, abalando a crença num centro único do universo.

Basta que a noite esteja limpa para que tudo isso seja agora visível por quem se arme de um telescópio modesto ou mesmo de vulgares binóculos. A Lua está a aproximar-se do quarto crescente, o que significa que a luz solar incide lateralmente sobre a superfície visível, projectando sombras pronunciadas e mostrando melhor os relevos do nosso satélite. A separação entre a parte iluminada e a não iluminada, o chamado terminador, mostra as irregularidades da Lua de forma ainda mais nítida. Quem nunca viu o nosso satélite através de binóculos terá sorte: a primeira vez é inesquecível.

Enquanto a Lua é apenas observável no princípio da noite, Júpiter estará alto no céu até bastante tarde. É muito fácil descobri-lo. Basta olhar alto para sul ao princípio da noite e para perto do horizonte sudoeste pela meia-noite. Vê-se um ponto de luz branca, fixa e ofuscante. Com Vénus agora invisível até de madrugada e a Lua desaparecida, não há nenhum outro astro tão brilhante no céu nocturno.

Em redor de Júpiter vêem-se quatro pequenos pontos de luz. A visão foi surpreendente para Galileu, pois o planeta e os outros quatro pontos aparecem perfeitamente alinhados. Seguindo-os noite após noite, o físico italiano notou que os quatro astros, que primeiramente pensou serem estrelas, seguiam Júpiter de perto, mas mudavam de posição relativa. Orbitam o planeta, concluiu acertadamente Galileu. Se o leitor esta noite seguir as posições destes astros notará o mesmo que o grande astrónomo notou há 400 anos. Pelas 21h verá um ponto do lado esquerdo de Júpiter e três do seu lado direito. Uma hora depois verá que os dois extremos da direita se aproximam. Pela meia noite verá que estão já muito perto. Se conseguir prolongar a sua observação, verá que estes dois praticamente se sobrepõem. Trata-se, da esquerda para a direita, dos satélites Calisto, Io, Ganimedes e Europa.

Tudo isto é fascinante. Ainda mais o é se pensarmos que há 400 anos Galileu viu o mesmo que agora estamos a ver. Não estamos apenas a observar curiosidades astronómicas. Estamos a presenciar um episódio importante da nossa história e da nossa cultura.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 24 de Outubro de 2009