sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Face Descoberta

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Por Antunes Ferreira

DIZ-SE POR AÍ que este País já não tem ponta por que se lhe pegue; outros, um tanto mais radicais, afirmam mesmo que Portugal já não tem remédio. E citam-se exemplos os mais diversos para justificar tais afirmações. Que, como bastas vezes por aqui, não têm face, são fruto desse diz-se de que nós, Portugueses, tanto gostamos e que utilizamos por dá cá aquela palha. É uma das faces nacionais. A outra reside na maneira de respondermos a um simples «como vais?»
De há muito adoptámos o assim, assim. Enquanto por esse Mundo fora, as pessoas andam bem ou andam mal, frontalmente, nós refugiamo-nos nessa vaga referência, que, de resto, não se confina ao eterno assim, assim, antes se reveste de outras fórmulas: nem tanto ao mar, nem tanto à terra, antes assim do que pelo contrário, vai-se indo como se pode, etc.

A «Face Oculta», como se sabe agora, é uma operação desencadeada pela Polícia Judiciária e que investiga uma alegada rede de corrupção entre diversas pessoas e entidades, através de modalidades como o tráfico de influências, as contrapartidas políticas de favores, as luvas, tudo isso que configura práticas com características criminosas.

O caso complexo continua em averiguação e já há treze arguidos, um dos quais, o empresário Manuel Godinho, de Ovar, se encontra detido. Na base do procedimento estará a «02 – Tratamentos e Limpeza Ambientais». Outras haverá. A expressão «rede tentacular» foi usada sem que a PJ a tivesse desmentido.

Entre os outros doze, encontram-se nomes sonantes: Armando Vara, José Penedos e Paulo Penedos. Sobretudo os dois primeiros – que já fizeram parte de Governos do PS – estão na berlinda, que o mesmo é dizer andam nas bocas do Mundo. Numa situação que popularmente era classificada como tem-te-maria-não-caias, hoje um tanto caída em desuso, Vara já veio a público declarar que está inocente. Outra coisa não seria de esperar…

Repudio energicamente os julgamentos populares, os juízes da praça pública, as acusações bombásticas, nomeadamente as veiculadas através de órgãos da Comunicação Social. No meio século que levo de jornalista, se há algo que não me pesa na consciência, coisas dessas nunca pratiquei. Poderei ter feito algumas coisas menos boas, mesmo más. Mas, adiantar-me ao que são as decisões dos tribunais não consta do currículo que julgo possuir.

Porém, cada vez mais há que alimentar as massas populares – expressão que não aprecio muito – com géneros os mais sangrentos possíveis. Com a feroz concorrência que existe no mercado da Informação, com a necessidade de angariar mais consumidores e, daí decorrente, a cada vez maior precisão de publicidade que ajude a minorar as gestões deficitárias (quase todas), uma escandaleira destas sabe que nem ginjas.

É difícil controlar esses apetites da sociedade em que vivemos e que todos nós ajudámos a construir, de uma forma ou de outra. Para além dessa dificuldade, seria preciso um verdadeiro trabalho de Hércules para que tal acontecesse. Por isso, a pena antes do julgamento e da sentença judicial é fruto tão apetecido que, perante ele, a maçã do Paraíso nem sequer poderia aspirar a corresponder à normalização comunitária.

Está aqui colocado mais um desafio – e de que dimensões – à Justiça portuguesa, acusada de morosa e desacreditada e em muitos casos ineficaz. Se não avançar com a celeridade que se exige, não faltará quem diga que ela não vai assim, assim: vai de mal a pior. Ou, mais grave: não tem remédio.