quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Europa das desigualdades

.
Por Baptista-Bastos

O QUE RESTA da "Europa Social" está a ser destruído, com implacável persistência. Mas, pergunto-me: alguma vez houve "Europa Social", ou tudo não passou de um sonho, alimentado por mentiras, ilusões e fraudes? E cada um dos europeus sabe, rigorosamente, em que consiste a União? A ideia era boa. No entanto, todos sabemos que a bondade não possui um escalão elevado nos escalões constitutivos da condição humana. Os fundadores alimentavam em si muito de poetas; porém, as estruturas delineadas para a "construção europeia" já continham, difusas, embora, na retórica dos discursos, o princípio de que as nações não eram iguais.

Neutralizar a Alemanha e o "espírito belicista" do grande país; impedir guerras no imenso território (o que se revelou, desde logo, um mito absurdo); e, sobretudo, impedir a hegemonia imperialista norte-americana - eis a cálida e grata intenção. Tem-se visto ao que isto chegou. As desigualdades e os desequilíbrios na Europa da União são ostensivos. Os grandes são cada vez maiores e os pequenos são cada vez mais pequenos.

A Europa só poderia ser outra, acaso mudasse de paradigma. Mas o sistema económico, sob o qual dificultosamente sobrevivemos, não só não foi abalado como se tornou no mimetismo cabisbaixo da oligarquia burocrática, dos bancos e dos ocultos interesses das grandes companhias. A Europa é gerida como se fora uma enorme empresa, distraindo a cidadania dos problemas históricos, seculares e nunca resolvidos.

As pessoas são cifras e cifrões. Não há políticos: há "gestores." Os vinte e cinco suicidas na France Telecom; os vinte milhões de desempregados na União com os seus os setenta e nove milhões de pobres (dois milhões são portugueses) são o trágico espelho da falência europeia e da catástrofe moral de uma civilização que se ufanava da sua supremacia. A lógica do lucro é insensível ao sofrimento humano. O quadriculado que se organizou para esse fim teve teóricos e estipendiados que serviram os amos com desenvolta subserviência. Bastava que lhes pagassem. Conheço alguns desses tunantes. Traíram os testamentos que lhes foram legados por jornalistas e escritores impolutos, e colocaram-se às ordens dos senhores do mando. No que dizem e escrevem estão ausentes a temperatura humana, o prazer do risco, os prestígios do desafio. Presente, o receio de desagradarem ao dono.

Pairam sobre as nossas cabeças os milhões de europeus desgraçados por esta doutrina económica e pela prática aberrante de um capitalismo nojento sem interrupção. A fragilidade dos povos europeus advém do facto de haver políticos que lhes retiraram o poder e as forças, através de controlos, ameaças, pressões e castigos. Se uma certa Esquerda se confunde, hoje, com os postulados da Direita, é porque não só deixou de ser uma maneira de pensar como abandonou a ideia de decidir.

«DN» de 21 de Outubro de 2009