terça-feira, 28 de setembro de 2010

Econometria da educação

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Por Nuno Crato

UMA DAS DESCOBERTAS mais surpreendente dos modernos estudos sociais quantitativos é a «não existência de uma relação sistemática nem de relações forte entre os gastos da escola e o desempenho dos estudantes». A frase é de Erik Hanushek, um dos principais fundadores da chamada «economia da educação», uma área académica que recorre a métodos estatísticos e a conceitos e modelos de economia para estudar o ensino.

A descoberta é surpreendente e perturbante, pois uma das premissas habituais dos responsáveis educativos é a de que, colocando mais meios à disposição da escola — por exemplo, computadores — ela educará melhor os seus alunos. Mas não é nem surpreendente nem perturbante para quem nela trabalha. Claro que há sempre recursos que faltam e que é importante, por exemplo, melhorar o acesso às modernas tecnologias. Mas o essencial é a formação dos professores, os pais, a boa estruturação e a exigência dos programas, a qualidade dos manuais, o rigor da avaliação e outros factores da actividade lectiva.

Recentemente, como já aqui referimos, um grupo de investigadores da Universidade Duke, na Carolina do Norte, (www.nber.org/papers/w16078.pdf) analisou uma amostra gigantesca, de 150 mil estudantes, seguidos ao longo de cinco anos, concluindo que os jovens não melhoram os seus conhecimentos pelo simples uso de computador pessoal. Os rapazes têm mesmo a algum retrocesso escolar, um retrocesso modesto, mas estatisticamente significativo.

Mais recentemente ainda, investigadores do Instituto Superior Técnico e da Universidade de Carnegie Mellon, estudaram os resultados da introdução de banda larga nas escolas portuguesas. Analisaram mais de 900 escolas entre os anos 2005 e 2009 e registaram as classificações dos alunos no 9.º ano de escolaridade. Construíram um modelo de “função de produção” com base nas “primeiras diferenças”, de onde extraíram as suas conclusões.

Uma função de produção é uma função matemática que relaciona os resultados com os recursos e que pode ser estimada com instrumentos estatísticos estudados em econometria. A equação que os investigadores utilizaram não é linear e os interessados poderão analisá-la em papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1636584 . O método das “primeiras diferenças”, por seu turno, é a consideração dos incrementos em vez dos valores originais. Ou seja, em vez de comparar as notas com o uso da internet, compara-se o aumento ou a diminuição das notas com o aumento ou a diminuição do uso da internet ao longo dos anos. Tentam-se assim isolar os factores em estudo, eliminando a influência de condicionantes perturbadoras, como a qualidade das escolas ou os rendimentos das famílias.

O que os investigadores verificaram foi que as escolas em que mais tinha aumentado o uso da internet foram aquelas em que os resultados escolares mais diminuíram. Notaram ainda uma tendência, embora menos evidente, a que os resultados piorassem mais nas escolas piores, aquelas em que o acesso à internet terá, possivelmente, sido menos bem enquadrado.

Os resultados são provisórios, limitados a uma série curta, que apenas mede um primeiro efeito, e sujeitos à crítica, como tudo em ciência. Mas é encorajador que os temas de educação sejam estudados com este rigor quantitativo. Hanushek, Daniele Checchi, William Schmidt e outros grandes nomes da economia e econometria da educação estarão em Portugal em Janeiro (cemapre.iseg.utl.pt/events/1e3). Será interessante ver como esta área está desenvolvida entre nós e que resultados serão apresentados.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 25 Set 10