sábado, 25 de setembro de 2010

Escutai-os!

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Por João Duque

JÁ É DIFÍCIL imaginar um governo a aderir às mais avançadas técnicas de venda, quanto mais um governo socialista! Fiquei por isso surpreso quando ouvi o senhor secretário de Estado das Obras Públicas explicar, detalhadamente, a política de preços a introduzir nos troços de autoestrada sem custos para o utilizador, as famosas SCUT.

A ideia, parece, é aplicar uma taxa universal pela utilização do serviço, discriminando positivamente alguns eleitos. Em princípio, tratar-se-á de discriminar, baixando o custo, os residentes nos municípios de baixo rendimento das regiões envolventes. Começam por oferecer as 10 primeiras utilizações mensais e depois praticam um desconto nas restantes utilizações do mês, quer a empresas quer a particulares.

A ideia de usar o preço para regular a utilização do serviço e levar até pessoas a agir de determinado modo é a forma como os economistas pensam, e essa forma de pensar até me sensibilizou inicialmente.

Porém, olhando o problema de modo mais detalhado, fico com a sensação de que esta não será seguramente a forma ideal de estabelecer uma tarifa para utilização de serviços que se querem justos, equitativos e simples.

A primeira questão que se coloca é sobre a definição do beneficiário da discriminação. Disse o senhor secretário de Estado, ser esta "uma medida feita em nome da justiça". Mas será justo assumir que todos os residentes de uma determinada região padecem do baixo rendimento para justificar o benefício?

Podia invocar-se que não há maneira de discriminar entre os residentes de uma região. Mas se todas as viaturas estão em nome de pessoas (singulares ou coletivas) e identificadas pelo número fiscal de contribuinte, porque não usar essa informação, que está de posse do Estado, se querem fazer a dita discriminação e até alargá-la?

Depois vêm os descontos que vão beneficiar certamente os mais ricos e espertos. Como vivo num município 'rico', terei o maior prazer em poder ajudar os pobrezinhos dos concelhos envolventes que só têm três viaturas (para escolher de acordo com a cor da gravata), pois vão passar alegremente, e de borla, durante todo o mês porque têm 30 viagens gratuitas (cada chip terá 10 passagens gratuitas por mês). Acrescem a estes os outros descontos à utilização nas demais viagens se passarinharem mais...

E agora, pergunto eu, porque não usam mais imaginação na política de preço e a alargam a outras regiões? Não haverá pobres e desgovernados por todo este Portugal?

Porque não usam a happy hour, cupões de oferta de serviços (por x passagens 1 lavagem de estrada), cartão milhas, lotarias, etc., etc., etc.? Vá lá, puxem por essa imaginação!

Esta parece-me uma forma simples de desvirtuar a ideia do benefício, e vai resultar em manifesta injustiça. Mas será sem dúvida, como disse o senhor secretário de Estado, "uma medida solidária", em que os pobres dos concelhos ricos financiam os ricos dos concelhos pobres.
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«Expresso» de 18 Set 10