sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Férias da Pátria

.
Por Maria Filomena Mónica
.
NO PAÍS QUE ME COUBE EM SORTE, os velhos são tristes, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os serviços públicos funcionam mal, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as escolas estão degradadas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os transportes são maus, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as ruas têm buracos, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os canais de televisão são um estendal de imbecilidades, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os políticos são medíocres, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as praias estão poluídas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as casas estão arruinadas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; nas bibliotecas públicas, os livros caem de podres, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as câmaras são focos de corrupção, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria.
.
Quem me leu até aqui deve ter-se apercebido que qualquer coisa não estava a funcionar bem na minha cabeça. De facto, assim era. Na noite consagrada à redacção deste artigo, um amigo oferecera-me uma garrafa, ostentando a marca «Nonino», contendo um líquido transparente que, na minha ingenuidade, pensei ser água. Afinal, era uma coisa a que, em Itália, chamam «grappa», uma bebida de elevado teor alcoólico. Uma vez que era aprazível, enquanto escrevia o que acima podem ler, fui bebericando aquilo. No dia seguinte, o Dia da Pátria, a ressaca desaparecera e, com ela, o ardor nacionalista, substituído agora pelo meu usual pessimismo. Mais uma vez, dei comigo a recitar os versos do Alexandre O´Neill: «Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,/ na terra onde nasceste e eu nasci?». Chegara o momento, conclui, para tirar férias da Pátria.
.
Junho de 2007