terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Retrato da educação: «Assustador»

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Por Alice Vieira
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Síntese: «Professores com fraca formação, alunos que não compreendem o que aprendem.»
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Eduquês: «Os professores têm um calão muito próprio e gostava que um professor e a ministra da Educação se sentassem e me explicassem o que é que é a avaliação. O que é que os professores têm que fazer? Para eu perceber!»
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Opinião pública: «A maior parte não compreende e os professores queixam-se disso. Quando 140 mil professores vêm para a rua, é óbvio que devem ter razão, mas não têm toda. A ideia que tenho, desde o princípio, é que a ministra tem razão em querer que os professores sejam avaliados, mas não sabe transmitir o que quer.»
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O que ouve nas escolas: «A primeira coisa que ouço dizer é: “Estou cansada”, “vou-me reformar”, “estou farta disto”, “não me pagam para isto”... É só o que eu ouço.»
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Leis: «As leis são iguais para todos, mas há escolas onde dá gosto ver o trabalho que os professores fazem e a ministra é a mesma! Não é na totalidade das escolas, mas, sobretudo no interior, encontro gente motivada. [...] Mas se está bem para essas escolas, porque é que não está para as outras?!»
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Escola pública: «Há um desinteresse, um cansaço e depois há o problema da formação. Não quero generalizar, mas esta gente mais nova... Qual é a preparação que tem? Converso com professores e é um susto, desde a língua portuguesa, tratada de uma maneira desgraçada, até ao desconhecimento dos autores. Sabem muito de eduquês, mas passar além disso é difícil. Muitos professores têm uma formação muito, muito, muito deficiente. Não só falam mal como se queixam diante dos miúdos. A responsabilização dos professores é fraca, eles não são muito seguros e os alunos sentem-no.»
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Indisciplina: «As manifestações dos miúdos também me perturbam, porque não sabem o que andam ali a fazer. Eles devem é aprender a falar bem, para saber reclamar, reivindicar.»
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Queixas: «Os professores queixam-se que têm de ser pai, mãe, assistente social, educadores... Pois têm! Porque a vida dos miúdos é na escola.»
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Novas tecnologias: «Estamos a queimar etapas, a atirar computadores para o colo de miúdos quando não sabem ler nem escrever. Só devia chegar quando tivessem o domínio da língua e da escrita. Os mais velhos não sabem utilizar a Internet, não sabem pesquisar. Copiam e assinam por baixo. O professor tem que ensinar a pesquisar. Às vezes estou a falar e tenho a sensação nítida de que os alunos não estão a perceber nada do que estou a dizer.»
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Facilitismo: «Há medo de cansar os meninos. Desde 1974 que os alunos têm sido muito cobaias do ministério. Aconteceu uma coisa terrível na Educação: tudo tem de ser divertido, tudo tem de ser lúdico, nada pode dar trabalho. Não pode ser.»
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Inércia: «Quando vou às escolas, esforço-me por transmitir aos alunos que as coisas dão trabalho, mas os próprios professores passam a mensagem de não querer ter trabalho. Quando vou ao estrangeiro, vejo os professores e penso: “Se fosse em Portugal, não era assim”. Fazem [os profs estrangeiros] o que for preciso. Cá dizem que não é da sua competência. A educação é daquelas matérias em que, se calhar, são precisas medidas impopulares.»
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Autoridade: «O professor não tem autoridade nenhuma. A solução passa por mais interesse e mais disciplina. O professor tem que sentir gosto pelo que faz e transmiti-lo. Não é uma profissão como as outras e não é seguramente a de preencher impressos.»
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Manifs: «As manifestações, no momento a que se chegou, não levam a nada, já vimos que agitam, mas não levam a nada. Tem de haver uma solução, senão o ano lectivo perde-se e o culpado não será só um.»
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Entrevista publicada no Público de 19 de Janeiro de 2009

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