quinta-feira, 12 de março de 2009

Obras em Casa

.
Por Maria Filomena Mónica
.
SOU CONTRA OBRAS EM CASA pelo mesmo motivo que sou contra a utilização da cirurgia plástica: as rachas das paredes são tão bonitas quanto as rugas na cara. Sei que não é uma posição popular, mas é aquela que adoptei. Em 1974, quando aluguei a casa pombalina onde vivo, já não estaria nas melhores condições, mas pareceu-me lindíssima: apreciei os desvios do soalho, as portadas que rangiam, a assimetria das janelas. Em 1981, o senhorio obrigou-me a comprá-la.
.
Durante doze anos, não mexi uma palha. Até que, em 1993, o esgoto de grés rebentou. Não havia alternativa se não substituí-lo. De um dia para o outro, o andar foi inundado por engenheiros, arquitectos, pedreiros, carpinteiros, electricistas e até fiscais da Câmara. O pesadelo durou dois anos. Para me consolar, convenci-me que nunca mais teria de me maçar com problemas de construção civil. Eis que, depois das recentes chuvadas, os azulejos da fachada começaram a cair: não todos de uma vez, mas um aqui, outro acolá.
.
Apesar de ser a gestora do condomínio, armei-me em esperta, fingindo que nada se passava. Igualmente preguiçosos, os outros fizeram o mesmo. Estava eu a meditar no que conviria reparar – uma fachada de onde faltam bocados parece uma boca desdentada – quando uma vizinha da frente me bateu à porta, queixando-se de que um azulejo do 3º andar do meu prédio aterrara sobre a sua cabeça (por sorte horizontalmente). Chamei os bombeiros e a polícia, os quais selaram a rua. Em dois dias, uns alpinistas brasileiros detectaram os azulejos em vias de se descolarem e recolocaram os que estavam em falta.
.
Desconfiei logo que isto bastasse. Um mestre-de-obras confirmou as minhas piores suspeitas. Por muito que considerasse belas as casas decadentes, o meu prédio estava em vias de ruir. Eis o motivo por que estou a redigir esta crónica diante de uns matulões colocando andaimes em frente da minha secretária. O seu bom humor contrasta com a minha tristeza. Porque sei que por muito seguro que o meu prédio fique, adquirirá um arzinho novo-rico. Sem rachas, uma casa não tem personalidade.

.
Outubro de 2007
.
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.