quinta-feira, 26 de março de 2009

A Quadratura do Circo – Impostos indirectos

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Por Pedro Barroso
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EM GUERRA CHAMAM-LHE “danos colaterais”. Em gíria de conversa de café, seriam “acidentes de percurso”. Em amor, talvez fossem “escapadelas parvas”. Em saúde, o médico diria “efeitos secundários”. Se fossem na infância, seriam “palermices sem sentido”. Se ocorressem num percurso, seriam “perdas de tempo”.
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Vou chamar-lhes talvez sociológica, talvez psicológica, talvez politicamente “impostos indirectos”. Ou, em comentário/cognome prosaico e imediatista – “já não há paciência”!
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São, com efeito, marcas indirectas de um viver português sem qualidade, nem civilidade e que, de algum modo, configuram uma boçalidade, um desnorte, um grotesco gritar urgente por mais cidadania, mais eficácia na coisa pública, mais elevação e mais urbanidade no viver português. E que nos fazem perguntar: que povo é este?
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Há coisas inacreditáveis neste quotidiano português que nos recordam, a cada momento, que estamos num país que parou na cultura, na probidade e na honra de si mesmo, nas mais desnorteantes flutuações e oscilações no critério, na arbitrariedade de decisões, na demora instituída na justiça, na perda de sentido estético, na ausência de interpretação inteligente das disposições normativas, na confusão do essencial com o acessório, culminando, até, no mais simples, estúpido e alarve vandalismo.
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De que ninguém nos consegue ressarcir. Imposto indirecto, portanto, por vivermos em Portugal. E do qual, infelizmente, nenhuma Repartição de Finanças nos passa recibo.
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Quando nos demoram uns minutos para fazer uma empresa, e um mês por uma segunda via dum código da segurança social que nos impede qualquer movimento efectivo dessa empresa.
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Quando se põem os professores a preencher 5 páginas de formulários e não sei quantos gráficos para classificar alunos que, afinal, são obrigados a passar de ano, porque essa é a politica governamental.
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Quando nos exasperamos pelo tempo que perdemos para tratar de tudo o que não é construção nem produção, mas apenas perífrases burocráticas de empenamento lógico da nossa vida.
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Quando uma decisão judicial nos dá razão, mas não nos devolve nem o tempo perdido, nem os prejuízos registados.
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Quando nos exigem o recibo antes da cobrança ou pagamento, e nós, humildes, obedecemos… e é se queremos receber.
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Quando todas as construções públicas derrapam no orçamento e no tempo, mas isso é considerado normal.
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Quando a sensação de corrupção se generaliza e vulgariza e encolhemos os ombros porque, afinal, sempre foi assim.
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Quando vivemos na fímbria duma insegurança que não tem caução, nem responsáveis, nem vigilantes e nela morremos ou ficamos estropiados para sempre.
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Quando somos assaltados no carro ou em casa e não nos descobrem mais o que foi roubado, nem se ralam muito em perseguir os assaltantes e sentimos que somos uns chatos que apenas incomodamos as forças da lei porque estamos aflitos.
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Quando habitamos uma casa no campo ou na montanha e nos pegam fogo em redor e perdemos tudo o que amealhamos uma vida.
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Quando nos riscam um carro e já só uma pintura nova poderá resolver o problema. Ou furam um pneu, e idem idem.
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Quando nos perdem um processo, um documento, um requerimento e lamentam, mas nada se pode fazer, senão recomeçar tudo de novo.
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Quando nos marcam uma cirurgia aos olhos para daqui a quatro anos e, entretanto, ou cegamos, ou vamos a Barcelona, se tivermos capital para isso.
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Quando os artistas vão à televisão e actuam à borla, e isso é considerado natural e ainda devem agradecer terem-se lembrado deles, porque isso é “promocional”.
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Quando lidamos com a estupidez embotada de um qualquer decreto camarário que exige e impede ao mesmo tempo uma actividade, obra, acesso, muro, manifestação.
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Quando a publicidade enganosa não tem culpa nem constitui crime.
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Quando a democracia é teoricamente participada, mas ouvimos e vemos sempre a opinião dos mesmos, nos mesmos sítios, defendendo os mesmos interesses, com a cupidez de sempre, lançando as mesmas promessas, para voltarem aos mesmos lugares.
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Desculpem amigos, mas cansei.
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Há milhares de situações que todos viveram já, ou podem facilmente imaginar para completarem este puzzle de enormidades cívicas e políticas, ou meras desgraças do nosso quotidiano viver.
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Pensem só, se puderem, no quanto tempo, riqueza, energia e produção teríamos se não tivéssemos que habitar este país de aflitiva indigência comportamental e maus costumes, onde nem os malandros são inteligentes, nem os políticos são competentes, nem os novos banqueiros são diferentes.
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A alarvidade de um riscador de carros, um incendiário, um professor caramba, um cantor de bacalhau e alho, um vândalo de cemitérios, um atendedor de guichet incompetente, um agente da PSP que apreende livros de arte, uma política da ASAE que quer acabar com a sardinha assada, ou até um ladrão que adormece no local de assalto, fala bem da qualidade da massa cinzenta de um país.
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Fomos invadidos pela estupidez. Pela cupidez mais sórdida e afinal mais parva do planeta na fraude bancária. Pela reacção de desconfiança mais grosseira e tosca face a tudo o que não conhecemos. Até na própria alarvidade e vandalismo os nossos marginais tornaram-se demasiado bimbos para discernirem o acto ilícito útil do inútil.
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E nós, vitimas - que perdemos um dia inteiro para tratar de um papel escusado, ou vemos tudo queimado à nossa volta, ou ficamos a olhar perplexos para o nosso carro completamente riscado por um imbecil troglodita - lá vamos pagando o imposto indirecto imenso de viver aqui.
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Senhores ladrões, marginais, bimbos, tolinhos, incultos, funcionários embirrativos e sacanas em geral do meu país: queiram evoluir! Tenham vergonha da péssima imagem que estão a dar à nossa terra!
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Alves dos Reis, volta, por favor. Tudo perdoado.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.