sábado, 21 de março de 2009

A tuberculose continua a matar

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Por Antunes Ferreira
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EM 2006, A TUBERCULOSE matou 4.500 pessoas por dia. Foi considerada uma ameaça mundial. Ou seja, um milhão e quinhentas mil vidas humanas ceifadas só nesse ano. Os números são assustadores. Quando se pensava que 2010 seria o canto de finados para a doença, ela voltou a atacar. Em 1993, face ao recrudescimento acentuado, a OMS lançou um brado de alerta. Mas, desde então para cá, as coisas não têm melhorado. O famigerado bacilo de Koch não estava a caminho da derrota, bem pelo contrário. O Nobel da Medicina atribuído em 1905 a Robert Koch fora inteiramente justificado. Mas insuficiente para travar a criminosa acção da bactéria.
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Jorge Sampaio, que é o Enviado Especial das Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose, veio a público alertar para este gravíssimo problema. O antigo Presidente da República advogou a imperiosa necessidade da concertação de esforços a nível mundial na investigação e desenvolvimento do flagelo, sem o que nenhum país terá as ferramentas adequadas para combater uma epidemia de tuberculose mais fatal caso haja uma rápida propagação das variedades multirresistente ou ultra-resistente.
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Ora – e é Sampaio a sublinhá-lo - a doença “alimenta-se da pobreza e da desigualdade”. Por isso a sua incidência está a piorar à “medida que a complacência e a falta de financiamento alimentam a doença e a difusão da resistência aos medicamentos”. Mas, pior: a tuberculose multirresistente, uma forma que resiste aos dois principais medicamentos anti-bacilares, “está a sofrer um agravamento e surgem todos os anos cerca de 500 mil novos casos multirresistentes”. Por tudo isso, “não é possível ficarmos de braços cruzados”, é preciso sensibilizar opiniões públicas para que “exerçam pressão junto dos decisores em matéria de saúde pública”.
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Longe pareciam ir os tempos em que a elegante prostituta Marguerite Gautier se deixou conquistar pelo amor de Armand Duval, um ainda jovem estudante de Direito. Alexandre Dumas Filho criou os dois como protagonistas da sua “A Dama das Camélias”. É mais do que sabida a história trágica e romântica. A cortesã afastou-se do seu apaixonado, a instâncias do pai deste. Armand vingar-se-ia humilhando-o publicamente. Tuberculosa e endividada, Marguerite foi abandonada pelos amantes e falsos amigos. Somente depois da sua morte, Armand descobriu o sacrifício que ela fizera.
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De resto, não foi apenas Dumas que aproveitou o tema da tísica, por vezes galopante. O Romantismo utilizou-a como estandarte. Nessa altura, ficaria conhecida como 0 “mal do século”. Nomes como Lorde Byron, Edgard Allan Pöe, Sylvia Plath, ou Thomas Mann enfileiram na galeria, a que pertenceu também o brasileiro Manuel Bandeira e, até e mais recentemente, a nossa Agustina Bessa-Luis. E não nos podemos esquecer da Mimi, heroína da “Bohème” da autoria de Puccini, ou da Violeta da “Traviata” de Verdi, aliás uma ópera que tem por base o romance de Dumas Filho. Era, também, a “doença do amor”.
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Esses tempos já deram o que tinham a dar. Tudo isto ficou para a História, desde as obras literárias até às musicais. Hoje, as coisas são muito mais preocupantes. O bacilo cultiva-se e desenvolve-se nas zonas e regiões mais degradadas, em que a higiene e a pobreza são palavras duras, mas que, na generalidade infeliz, são, no mínimo, ignoradas. É na estrumeira da vida que a “peste branca” estabelece o seu reino.
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A “doença do peito” ou, ainda, a “tísica pulmonar” (denominações populares) que, como disse e é do conhecimento de muito boa gente, tem vindo a proliferar de forma altamente preocupante. Os esforços para que seja erradicada parecem, cada dia que passa, mais incapazes de travar essa sua marcha impressionante. E, evidentemente, cada vez mais perigosa. Pela infecção, mas também pela proliferação e pela disseminação.
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Neste infeliz Mundo que é o nosso, as preocupações da Humanidade que somos todos nós – e fomos, e seremos – estão mais voltadas para assuntos com maior publicidade ou com exposição pública mais gritante. Discutimos os mísseis nucleares, os terrorismos sob a invocação de um deus qualquer, os homens-bomba e sabe-se lá o que mais – o que é bom - mas esquecemo-nos dos que morrem quotidianamente com os pulmões desfeitos.
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Será este o tempo de travar essas correrias atrás dos escândalos sexuais, dos crimes de colarinho branco, da corrupção, da ignomínia? Pois por certo que não. Nunca. A dignidade humana impõe a todos nós que o façamos, com maior ou menor empenhamento, mas dizendo presente. É o mínimo que, enquanto seres humanos, nos compete – e que temos de cumprir, sob pena de nos demitirmos de homens.
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Na verdade, tem de ser, sem margem para dúvidas, o tempo de cuidar de flagelos doentios. O cancro, a Sida, a hepatite B… e a tuberculose. Esta nossa sociedade, já de si infectada, tem de levar avante um combate contra essas verdadeiras maldições para evitar que elas proliferem. E, um destes dias, acabem connosco. O que, se calhar, até merecemos. Infelizmente.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.