terça-feira, 14 de abril de 2009

O infinito

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Por Nuno Crato
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O PARADOXO QUE APRESENTÁMOS na última crónica surpreendeu vários leitores. Como seria possível dividir um infinito em dois? Como seria possível retirar de um saco uma quantidade infinita de objectos, ficando nele ainda infinitos objectos? E, mais espantoso ainda: como seria possível ir colocando num saco mais objectos do que os que dele vão saindo e, no fim de tudo, o saco ficar vazio?
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Não nos devemos surpreender por ficarmos surpreendidos. Afinal, o infinito tem assombrado filósofos, cientistas e matemáticos e tem enganado muitas mentes brilhantes.
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Galileu, cuja actividade científica celebramos neste Ano Internacional da Astronomia, discutiu vários paradoxos do infinito. Um dos mais simples e ilustrativos considera dois conjuntos, o dos números naturais, isto é 1, 2, 3, …, e o dos seus dobros, isto é, os números pares 2, 4, 6, …. Podemos estabelecer uma correspondência biunívoca entre o primeiro conjunto e o segundo: ao 1 corresponde o 2, ao 2 corresponde o 4, ao 3 corresponde o 6, e por aí adiante. O primeiro conjunto parece ter o dobro de elementos do segundo, porque contém os pares e os ímpares. Mas o facto de podermos estabelecer uma correspondência biunívoca entre cada número e o seu dobro não quer dizer que os dois conjuntos têm o mesmo número de elementos?
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Ao que parece, foi assim que a humanidade aprendeu a contar. Há milhares de anos, antes ainda da escrita, contavam-se as ovelhas, ou o que fosse, separando tantas pedrinhas, ou fazendo tantas marcas, como ovelhas havia. A correspondência biunívoca entre ovelhas e pedrinhas assegurava que os dois conjuntos tinham o mesmo número de elementos.
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Do paradoxo, Galileu concluía que “os atributos de maior, menor e igual não se adequam a infinidades, sobre as quais não se pode dizer que uma é maior, menor ou igual a uma outra” (1638). Passados 250 anos, o matemático alemão Julius Dedekind (1831–1916) partiu dessa ideia para definir o infinito matemático. Segundo Dedekind, um conjunto é infinito se se puder estabelecer uma correspondência biunívoca entre ele e um seu subconjunto. É o caso da correspondência entre o conjunto dos números naturais e o subconjunto dos pares. Estes últimos são também naturais, mas há naturais que não são pares, como bem se sabe.
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Um dos paradoxos sobre o infinito mais engraçados é o chamado “Hotel de Hilbert”, que se atribui ao matemático alemão David Hilbert, mas que muito provavelmente saiu da imaginação do físico George Gamow, o primeiro a colocá-lo por escrito. Imagine o leitor que um hotel com um número infinito de quartos está completamente lotado. Nesse hotel é sempre possível arranjar lugar para mais um hóspede. O recepcionista apenas pede ao cliente do quarto 1 para mudar para o quarto 2, ao do quarto 2 para mudar para o quarto 3, e por aí adiante. O hóspede que acabou de chegar toma o quarto 1 e ninguém fica de fora. Mas se há sempre lugar para mais um cliente, também há sempre lugar para mais dois. E se há sempre lugar para mais dois, há sempre lugar para mais três. Os clientes têm apenas que se deslocarem para o quarto situado uns tantos números à frente. Receber de uma vez um número infinito de clientes é mais difícil, mas, se o leitor pensar, encontrará certamente uma solução.
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Hotéis de Hilbert são óptimos para uma rede hoteleira. Coitados dos hóspedes, contudo. Não deve ser agradável passar a noite a mudar de quarto.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 10 de Abril de 2009.
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.